O DEBUTE
Dona Manuela debutou.
Nos salões, nos dourados corredores, pelas solenes escadarias, nos jardins, nos pátios, nas ruas, o povo amontoou-se para a ver e aplaudir.
Sorridentes, barões e foliões, tecnocratas e gerontocratas, gestores e assessores, autarcas e administradores, senhoras e senhores, até meninos, sérios e rabinos (decoração para a televisão) e, mais na sombra, meninas, atinadas e ladinas, aparatchicks todos chiques, tudo minha gente, vamos para a frente, olé, olé, olaré, olaré.
Dona Manuela mal disfarçava a emoção. Nos olhos, uma ligeira névoa traía as profundas inquietações que trazia na alma. E disse. Disse que. Nas suas palavras o vazio do momento, vazio que só a sua pessoa poderá preencher, não se sabe – ainda – com quê, mas certamente com algo que as malhas do orçamento moldaram e a inteligência a seu tempo ditará.
Esperança? Pouca. Os circunstantes, na circunstância, circunstanciavam dúvidas. Tapavam-nas com o entusiástico entusiasmo da entusiasmante e circunstancial circunstância.
Todos sabem que dona Manuela fará política estatista, como fez o seu guru, depois de ser levado aos píncaros pelos que queriam o contrário. Em relação ao senhor Pinto de Sousa, trará algo de precioso: a honestidade, coisa que ao homem escasseia. De resto, tudo ficará mais ou menos na mesma. O orçamento continuará a ser o nosso guia, o nosso big brother, a nossa má sorte. Os professores continuarão a não ensinar, os juízes a não julgar, os procuradores a não procurar, os funcionários a não funcionar, a produtividade a não produtivar. Dona Manuela herdará as muitas centenas de milhões de compromissos do Estado, fruto das parcerias que a fúria desorçamentadora do socrelfismo criou e que não deixaremos de ter que pagar. Os “empresários” continuarão pendurados ao governo, o pagode ignaro continuará dominado pelo Jerónimo e pelo Louça, apesar de toda a gente já saber que um país onde doze por cento dos eleitores votam nessa gente é um país que jamais sairá da cepa torta.
Shortly, não é com social-democracia que se cura as feridas que o socialismo abriu, abre e continuará a abrir.
O que faz um homem como o senhor Borges no meio disto não é difícil de prever. Se houver um governo “manuélico”, acontecer-lhe-á, pelo menos, o mesmo que àquele tipo cujo nome já esqueci e que foi o ministro das finanças do socretinismo antes do senhor Santos.
É indiscutível que o consulado do guru da dona Manuela foi o período de “ouro” do regime. Mas, enquanto os espanhóis, até os socialistas, na mesma época, perceberam o que se estava a passar, o guru achou que o melhor era não mexer muito nas estruturas e “dominar as artes” na economia. Resultado: os espanhóis descolaram e nós, num instante, voltámos à cepa torta. Veio o senhor Guterres e, com a melhor das intenções, atirou-se de cabeça para o pântano. Antes de dar à sola, gastou o que tinha e o que não tinha. Veio a dona Manuela e concluiu que outra coisa não havia a fazer senão conter o défice. Verdade seja que o conseguiu, ainda que acossada pelos gritos histéricos do Pinto de Sousa e dessa desgraça em figura humana que se chama Sampaio. Veio o Bagão Félix e continuou, embora tendo aberto janelas por onde o ar e o sol não chegaram a ter tempo de entrar. Coroado, o Pinto de Sousa deitou galhardamente para o lixo os dados - meras “bocas”! - do Eurostat, encomendou um défice putativo ao camarada Constâncio, e passou a lavar o cérebro ao monte de idiotas que são os cidadãos, convencendo-os, depois de os massacrar com uma política fiscal que faria inveja ao Salazar dos anos trinta, de que tinha conseguido o extraordinário feito de diminuir o que começou por brutalmente aumentar.
Tudo receitas que o socialismo inventou, a inteligência desconhece, a razão abomina e o povo vai “comendo”.
Nestes aspectos, dona Manuela pouco fará para melhorar as coisas. Gerirá o socialismo com argúcia, autoridade, honestidade e frontalidade. Mais do que isso não lhe será dado, nem quererá fazer.
Ou seja, tudo ficará mais ou menos na mesma.
António Borges de Carvalho