ELEIÇÕES
Tudo serve para pôr em causa o que está. Às vezes com razão. Outras, é pôr em causa por pôr em causa.
Anda para aí uma data de organizações especializadas nestas intricadas matérias. Uma delas lembrou-se agora de pôr em causa que os deputados possam ser candidatos autárquicos. Se se tratasse de obrigar os eleitos a escolher uma das funções e abandonar a outra, ainda que fizesse ao IRRITADO justa confusão, poderia compreender-se. Mas os rapazes vão mais longe. Se queres ser autarca, antes de te candidatar tens que abdicar da parlamentar cadeira.
Em França, por exemplo, onde abundam câmaras municipais, arrondissements, departamentos regionais, prefeituras e não sei que mais mini autoridades, quase não há políticos que tenham feito carreira por fora de tal sistema. Os ministros, os deputados, os líderes políticos, são ao mesmo tempo maires, préfects e outras coisas que tais. Praticamente não há outra forma de subir na política. Sabe-se porquê. Sendo o sufrágio nacional por círculos uninominais, ninguém chega ao cimo sem ser conhecido na terra onde começou a carreira. Os políticos de topo candidatam-se onde têm a certeza de ser eleitos. Muitos deles mantêm os cargos locais em simultâneo com os nacionais.
Muitos males, defeitos e “gralhas” tem o sistema da grandiosa République. Mas não é desta circunstância que provêm.
Dir-se-á que, entre nós, com o sufrágio proporcional, as coisas são diferentes. Mas, ao querer proibir os deputados de, sendo-o, se candidatar às autarquias, não se está a diminuir o direito das pessoas de eleger quem bem entendam, tanto mais que o sistema autárquico já não é terreno de caça exclusivo dos partidos políticos?
Seria legítimo, profícuo e de bom senso que o sistema eleitoral fosse reformado, instituindo círculos uninominais com eleição maioritária em duas voltas e acabando com o monopólio eleitoral dos partidos? Com certeza. Mas, como é sabido, em Portugal tem-se da Constituição a maioritária ideia de uma espécie de múmia, um avatar de faraó rodeado de servos que lhe alimentam o caminho da eternidade. É ela quem estabelece o sistema vigente. Em resumo, uma desgraça entre muitas outras, como o socialismo obrigatório e os “direitos” marados.
É claro que isto abre caminho às organizações especializadas em perseguições, processos, providências cautelares, embargos e outros instrumentos destinados a tratar da espuma das coisas em vez de tratar das coisas em si, da pacotilha “democrática” em vez da democracia, do que é adjectivo em vez do que substantivamente nos interessa. Com a garantia, como é de timbre, de vigoroso apoio por banda da extremosa comunicação social, com tempo de antena e retrato no jornal.
19.8.13
António Borges de Carvalho