INJUSTIÇAS DE JARRETA
Aos doze anos, um tio levou-me a beber uma imperial, o que foi uma honra, uma experiência pouco agradável e um salto para uma nova idade. Aos quatorze, o meu pai ensinou-me a beber vinho, falou-me das qualidades do produto e dos perigos que representava. Anos depois, habituei-me a beber vinho às refeições. Aprendi mais com aquelas lições do que hoje se aprende com a publicidade que diz “beba com moderação”, um incentivo para experimentar o contrário. Daí que se chegue aos dezoito anos sem nenhuma defesa e se caia no exagero alcoólico com grande facilidade. Não digo que “antigamente é que era bom”, nem que não tenha apanhado os meu pifos, mas acho que havia uma “educação alcoólica” que se perdeu. A grande diferença é que, em tempos idos, o pifo acontecia, não era o objectivo final. Agora, os jovens não vão “dar uma volta”, vão “sair”, sendo que sair é ir, depois da meia noite, a sítios pouco recomendáveis, ruidosos e nada seguros, e deixar-se ficar por lá até já não se ter nas canetas. O objectivo da saída é o enfrascamento obrigatório. Um “avanço” civilizacional, europeizante, coisa de suecos e quejandos.
Faz-se estudos, estatísticas, pareceres, teorias, "ciência definitiva”, sobre tudo e mais alguma coisa, a influência do escaravelho da batata sobre os genes da drosófila melanogaster, dos rebuçados sobre o córtex cerebral da etnia Yazidi, coisas rebuscadas e altamente rendosas em termos de prémios e bolsas de estudo. Nada contra. O problema, as mais das vezes, são as certezas científico-sociais que daí se tira.
Os técnicos da bebedeira mostram-se muito preocupados com o facto, se é que é facto, de haver “dez mil jovens com dezoito anos que consomem álcool todos os dias”, sobretudo no Alentejo e no Algarve(!). Dez mil acho pouco. Então a rapaziada havia de almoçar um prego sem beber uma imperialzinha? E um copito de tinto ao jantar, proibido? Não é melhor isso que apanhar uma de besana caixão à cova todos os Sábados, bebendo trampas mais ou menos químicas nos outros dias?
As conclusões dos estudos são inúmeras, tremendas, certeiras, avisadas e definitivas, cheias de gráficos e inquéritos.
Algo me diz que quanto mais tremendas mais bolsas de estudo. Injustiças de jarreta.
12.2.17