BEM PREGA FREI TOMÁS
Uns inesperados dias de quarentena obrigaram o Irritado a ficar por fora de inúmeras jogadas.
Retomada a actividade, dá com uma interessantíssima confissão do mui sábio director do “Sol”. Com toda a razão, o homem revolta-se, na seriíssima secção “Política a Sério”, contra a falta de discussões substanciais, daquelas que, verdadeiramente interessam aos desgraçados e que, nos “órgãos de informação” são substituídas por coisas sem préstimo ou a puxar ao sensacional. E cita o senhor Teixeira Pinto, que se terá queixado de que “os portugueses falam muito do que não sabem e discutem coisas que não interessam nada”.
Dá-nos exemplos: não interessa nada saber se os aviões da CIA sobrevoaram ou não o território nacional; não interessa nada discutir uma frase sobre o caso “Maddie”; não interessa nada escrever sobre os projectos de arquitectura do senhor Pinto de Sousa (Sócrates); não interessa nada saber se o Casino de Lisboa é do senhor Ho ou do soberano estado que o senhor Pinto de Sousa diz que governa. E acrescenta: “andamos entretidos num jogo de ilusão em que todos os dias é necessário criar factos políticos e escândalos forçados para alimentar o monstro mediático”.
Santas intenções e indignações as do mui sábio senhor.
O pior é que, se as compararmos com o jornal que, eventualmente, o dito senhor dirige, no exacto número em que se indigna, teremos algumas surpresas.
Eis alguns exemplos: 1ª página: “Autarca e deputado do PSD constituído arguido”, “Construtor de Almada denuncia pressões da Câmara”, “Teixeira da Cruz lança movimento de opinião”. Página 2: Entrevista com o interessantíssimo e inteligentíssimo senhor Pôncio Monteiro. Página 4: “Figueira connexion”. Página 5: “escutas implicam Isaltino”. Página 7: “Sá Fernandes aumenta Eleven”; “Engenheiros sem lei”; “Severiano… mete despacho na gaveta”; “Cavaco quer ouvir notários”. Página 10: “Campos fechou rede de urgências” (!); “Professores protestam”; “E-mail anula sentença”. Página 12: “PSP responde a acusações”; “Ouvir Valentim será inútil”. Página 16 “Indiferença angolana”; “Eanismo”; “Vinagrete”. Página 17: “Pedro Costa atinge apogeu”; “Música cubana… em Lisboa; “Beatificação de Lúcia…”. Página 18: “O rapto terminou em morte”; “Assassinado líder militar do Hezbollah”. Página 21 “Andrew Bertie… um intelectual aristocrata…”.
Não vale a pena continuar. Pergunte-se, no entanto, ao mui sábio senhor, onde estão as coisas que fazem com que o seu jornal não faça parte do “Monstro mediático” contra o qual justamente se revolta, isto é, onde estão os temas que considera importante discutir. Onde, no”Sol” se “fala de natalidade”? Onde se faz “um debate sério sobre o ensino”? Onde se aborda “o problema do primeiro emprego”? Onde as preocupações sobre “o despovoamanto”? Onde se debruça o “Sol” sobre “a solidão urbana”? Onde aparece o problema da “situação dos idosos”? E o da “infelicidade, depressão e isolamento”?
Mais uma vez, não vale a pena continuar. O mui sábio director revolta-se contra os fait divers – sobretudo os que dizem mal do senhor Pinto de Sousa (Sócrates) – mas enche o jornal com aquilo que classifica como inútil, sem uma palavra sobre os “verdadeiros” problemas que assolam a nossa sociedade e que tão doutamente refere.
Bem prega Frei Tomás…
António Borges de Carvalho