O MEDO, OUTRA VEZ
O Irritado não gosta de falar duas vezes no mesmo assunto, pelo menos duas vezes quase seguidas. Nas não pode mais. Esta história da “entrevista” feita por dois “jornalistas” ao senhor Pinto de Sousa (Sócrates) dá cabo dos nervos a qualquer cidadão que não aprecie ser aldrabado.
A imprensa de fim de semana foi um mar de medo. À excepção do SOLcrates, cuja filosofia é conhecida e, enquanto órgão do poder, tem desculpa, foi um mar de minhoquices sobre a natureza “pacífica” do programa, sobre a “simpatia” dos jornalistas, sobre a segurança e a capacidade de afirmação, a boa preparação, a fluência, o à-vontade do primeiro-ministro, as respostas debaixo da língua, o conhecimento dos dossiês, a ausência de hesitações, etc.
A coisa teve o seu gran finale com o ilustríssimo e profissionalíssimo comentador Rebelo de Sousa (será primo do Pinto de Sousa pelo lado do Sousa?), na opinião do qual não se põe em causa probidade e o profissionalismo dos jornalistas, nem se pode condenar a forma cordata, civilizada, fluente, como fizeram o seu papel. O senhor Rebelo de Sousa sabe de ciência certa o que se passou. Mas, como a generalidade dos comentadores, tem medo de o dizer.
O que se passou, pública e notoriamente, foi uma espécie de inside trading, uma coisa combinadíssima, em que o entrevistado determinou quais os assuntos a tratar, as perguntas a fazer, a ausência de interrupções, a “autorização” para repetir o que quisesse as vezes que quisesse, o não tocar em assuntos sensíveis, e por aí fora. Só não viu nem ouviu isto quem não quis ver nem ouvir. O resultado do jogo estava previamente determinado, a fazer lembrar o “Apito Dourado”. Só que os outros – os do futebol - andam a contas com a Justiça. Os que “entrevistaram” o senhor Pinto de Sousa são uns heróis.
É sabido que vivemos num país de combinatas e de jogos de bastidor. O problema é que, quando a coisa chega à “informação” de forma tão violentamente despudorada, fica em causa um dos esteios mais importantes de um regime em que a liberdade é um valor com algum valor.
A RTP está no bolso do governo. A SIC deu o espectáculo de que vimos falando. O Diário de Notícias é o que se sabe. O SOL, meu Deus! Como não leio todos os jornais, não sei o que neles se passa, mas é fácil de perceber a monumental campanha de governamentalização que por aí vai.
Provavelmente não chegaremos a ter outra vez a censura, pelo menos uma censura como tal chamada. Mas temos que nos habituar, outra vez, a ler nas entrelinhas, a tentar perceber o que está por detrás das manchetes, a procurar distinguir o que é notícia do que é recado. Com a agravante, como se viu, de até aquelas de quem se poderia esperar algum sentido crítico, mesmo esses, já terem começado, quais hipopótamos do Ionesco, a ter medo de dizer a verdade. Mesmo quando ela se mete pelos olhos dentro.
António Borges de Carvalho