PALERMICES LINGUISTICO-POLÍTICAS
Acreditar que a língua portuguesa tem um grande futuro é coisa que não faz parte das convicções do Irritado. Com a parvoíce do acordo ortográfico ainda menos.
O segredo da expansão da língua inglesa é contrário do “nosso” acordo. Cada um, quer dizer, cada comunidade, fala e escreve inglês como lhe apraz, dentro e fora do Reino Unido. A “mãe pátria” conserva um núcleo fortíssimo de académicos e de universidades que podem servir, e servem, de orientação quanto a uma versão “pura” da língua. Assim, para quem quiser, há sempre uma referência, um recurso. A língua inglesa, por outro lado, é uma língua com poucas regras, uma língua que se aprende de memória, não, como, maxime, o alemão, ou francês e o português, por recurso à gramática. Breve, a língua inglesa é defendida pela liberdade, enquanto a portuguesa “precisa”, no parecer de alguns bem sucedidos políticos e académicos, de um espartilho universal que a “unifique”. A asneira é livre, mesmo ao nível destes altos cérebros.
É evidente que, com acordo ou sem ele, a língua portuguesa viverá e evoluirá de formas diversas nos diversos teatros onde actua. Daí não vem mal, nem ao mundo, nem aos países que falam português, nem a Portugal, nem à língua. A língua que os académicos querem impor nada tem a ver com a defesa do português, por isso o seu futuro será tanto mais sombrio quanto mais o quiserem determinar. Não seria uma póstuma honra para todos nós se, daqui a uns séculos, se pudesse falar de línguas lusas como hoje se fala de línguas latinas? Porque será que os mesmos que tanto se afadigaram em dar independência política aos falantes da sua língua, se histerizam desta forma à procura de um qualquer “colonialismo” linguístico? Porque será que Portugal continua a viver o sonho de um império que deitou pela borda fora, em vez de perceber que o fim do império foi a oportunidade de uma nova universalização, em termos diversos dos do Infante, mas com ambição paralela, como se atreveram a preconizar tantos dos seus proscritos intelectuais? Porque será que Portugal, em vez de alargar horizontes, tende a fechar-se nos estultos limites de uma comunidade linguística que existe quer se queira quer não, para tal não sendo determinantes acordos ortográficos ou loas políticas? Porque será que Portugal insiste na sua própria decadência, que começou com Dom João III, quando deixámos de perceber que o mundo andava para a frente e que nós, se perdêramos a liderança do movimento, podíamos, ao menos, acompanhá-lo?
Perguntas que ficam, para reflexão dos leitores do Irritado.
António Borges de Carvalho