ENTREGUES AOS HIPÓCRITAS
Uma pessoa que me era próxima passou os últimos anos da sua vida em estado vegetativo, incapaz, sequer, de conhecer os seus. Estava afogada em medicamentos, tendentes uns a atenuar o seu sofrimento, outros a alimentar a vã esperança numa recuperação reconhecida como improvável, ou impossível. Um dia, um médico aconselhou a que lhe fossem retirados os medicamentos, a ver o que dava. Dias depois, a pessoa foi “apanhada” a ler um livro em francês e explicá-lo a uma cuidadora. O lampejo durou pouco, mas aconteceu, vá lá saber-se porquê. Se esta pessoa, quando estava em seu perfeito juízo, tivesse feito a fatal declaração da eutanásia, sabe-se lá se não teria também um tal lampejo, mudando de ideias na hora da alguém cumprir a sua eutanásica vontade.
Isto já aconteceu na Holanda, onde uma senhora que tinha feito a declaração, teve o tal lampejo, percebeu que a iam matar, e resistiu. De nada lhe valeu, como foi noticiado. Mataram-na na mesma.
São dois exemplos que, mesmo vindos de uma minoria de dentro de outra minoria, deviam alertar, mas não alertam, os crentes nessa estranha “obra humanitária de solidariedade, amizade, compreensão e amor” que dizem ser a eutanásia, pela simples razão de que a nova “moral” quanto mais fracturante melhor, quanto mais totalitária melhor, quanto mais tornar legítimo o que não o era, melhor.
Em relação, por exemplo, à não aceitação da pena de morte, um dos muitos, e válidos, argumentos é o de que se corre o risco de matar inocentes. Será, evidentemente, um rara excepção, mas deve correr-se tal risco? Claro que não. Porque será diferente no caso da eutanásia é coisa que nenhum dos seus adeptos será capaz de explicar.
A lenga-lenga pseudo-humanitária que “explica” o novo direito de matar, desta feita mascarado de direito de morrer, é comparável àquilo a que os seus praticantes usam chamar “caridadezinha”. Só que a tal caridadezinha nunca matou niguém. Talvez, como dizem os seus acusadores, sirva para aliviar as consciências de quem a pratica, mas não consta que faça mal a quem a recebe.
Por isso que, ao ouvir “missionários” como o senhor Pureza ou a dona Moreira a regougar os seus tão nobres sentimentos nos encha, não só de asco como de intenso pavor pela infrene hipocrisia que revelam.
21.2.20