A agenda nuclear
Há tempos, um conhecido financeiro anunciou que estaria em posição de construir e pôr a funcionar uma central nuclear sem custos para o estado. A resposta do governo foi uma não resposta, isto é, José Sócrates (Pinto de Sousa), ou alguém por ele, limitou-se a dizer que o nuclear estava “fora da agenda”. Muito bem, pensaram os ecologistas mal informados. Muito bem, pensaram os media, sedentos de politicamente correcto. O Expresso até publicou duas páginas de antinuclearismo militante, sem contraditório. Parece que José Sócrates (Pinto de Sousa) foi ao encontro dos mais profundos desejos da pátria ao recusar tão horrorosa proposta.
Apesar de tudo, algumas almas, eventualmente minoritárias, interrogaram-se sobre a justeza da posição. Num momento em que a Europa inteira relança os seus programas nucleares, em que se aceleram os estudos e os programas para novas tecnologias e novas gerações de centrais, em que as economias emergentes se preparam, em força, para o nuclear – 50 centrais na China, 20 na Índia, por exemplo - por que carga de água recusa o governo português estudar, sequer, a proposta do tal senhor? Então não era de esmiuçar a coisa? De saber quando, como, a quanto, em que condições chegaria a electricidade à indústria e a casa das pessoas, vinda da tal central?
Apesar de tudo, algumas almas olharam à sua volta e observaram esta extraordinária coincidência: os países mais desenvolvidos da Europa Ocidental são exactamente aqueles que, ou produzem e distribuem energia nuclear, ou a recebem de terceiros (a Dinamarca, por exemplo) a preços competitivos.
Portugal, porém, orgulhosamente só (quem é que isto me faz lembrar?), diz que o nuclear está fora da agenda. Nem pensar.
Hoje, porém, com as parangonas laudatórias do costume, aí está ele, o nosso bem amado José Sócrates (Pinto de Sousa), degraus do Eliseu acima, de chapéu na mão, a pedir conselhos ao imperador sobre… energia nuclear. O senhor Chirac, que de comércio muito sabe, far-lhe-á parte, imperialmente, da excelência da tecnologia francesa nesta matéria. Ou seja, com Chirac, o nuclear entra na agenda socrática (coitadinho do Sócrates, o propriamente dito). Milagre!
O mais tristemente interessante é que vão ser os mesmos senhores e senhoras (donos da opinião em Portugal) que deixaram passar sem uma palavra de crítica ou de estranheza a primeira postura do senhor Sócrates (Pinto de Sousa), a vir enaltecer mais esta grande jornada da política externa do governo. Podem olhar, orgulhosamente acompanhados, para o espelho, e contemplar a sua impecável coerência e a sua intocável independência de profissionais da informação.
António Borges de Carvalho