25
Ainda haverá quem acredite que o golpe militar de 25 de Abril de 1974 se destinava a implantar uma democracia liberal? Talvez. Mas helas, o golpe destinava-se, primeiro, a acabar com a admissão, no exército, de capitães milicianos, profissionalizando-os e fazendo concorrência aos “de raiz”, e, segundo, para implantar uma “democracia de esquerda”. Mesmo os que, na hora da verdade, contribuiram para evitar a total sovietização do país, queriam, como o futuro veio a demonstrar à saciedade, dar à não-esquerda um estatuto de raminho de salsa para Europa ver, a fim de legitimar a perpetuação da esquerda, com diversos matizes.
A mais cabal demonstração disto foi a recusa dos “militares de Abril” em aceitar a legitimidade maioritária do governo Passos Coelho, recusando-se a estar presentes nas comemorações oficiais do fim da ditadura. Para eles, um governo de não-esquerda estava fora da “democracia” que queriam. As posições da chamada associação dos actuais coronéis - quantos mereceram os galões em serviço, nos quartéis? – repetidamente o demonstram. Como se tem visto, as comemorações, ou são de esquerda, ou não cabem na filosofia de tais militares,.
Em 1964, no Regimento de Infantaria de Abrantes, tive o “privilégio” de conhecer o jovem Vasco Lourenço, acabadinho de sair da Escola do Exército. Até dormimos os dois no mesmo quarto! Havia uma chusma de aspirantes milicianos à espera de embarque para Angola. O Lourenço era uma carta fora do baralho. Andava a tirar cursos de guerra em várias unidades especiais, fazia discursos ideológicos sobre a defesa do Império, e desprezava os conscritos. Quem havia de dizer onde iria parar tal fulano? Já era, na altura, bronco, abrutalhado e ignorante. No uso destas nobres e brilhantes características, viria a ser o que é hoje: proprietário de uma democracia de esquerda, com a missão de esconjurar tudo e todos que à esquerda não pertençam. Os seus entimentos democráticos, as suas convicções de defesa das liberdades, ficaram por aí: tudo o que não seja de esquerda não é democrático. O fascimo começa ao centro.
Em 1975, trabalhava eu numa fábrica que tinha à volta de 500 trabalhadores, entre operários e quadros. No meio das trapalhadas do PREC, fomos um dia invadidos por uma brilhante delegação dos Comandos da Amadora, à altura nas mãos do MFA. Comandava-os um capitão de Abril, cujo nome sei mas, de momento, me escapa. Tal capitão, numa das tempestuosas “assembleias” da época, subiu para cima da mesa e, entre uma fartura de bojardas marxistas-leninistas, declarou, tonitruante, que “os nossos irmão cubanos andam há dez anos a construir o socialismo, nós faremos o mesmo”. Este exemplar capitão de Abril é hoje, nas suas próprias plavras, um “historiador independente”.
Muito mais teria para contar, mas desta vez não me apetece. O que é triste e merece que se sublinhe é que esta brilhante gente, no fundo, continua na mesma e até tem uma “associação” destinada a promover a esquerda socialista, ao mesmo tempo que diz que lhe devemos a democracia. Não devemos. Se há credores, são os que deram cabo das maluquices ditatoriais dos “capitães de Abril”, o Povo que resistiu aos seus desmandos.
Pena é que mais de quarenta os anos tenham passado e que tais capitães/coronéis continuem na mesma. Quando o socialismo nos arruinar de vez, aí teremos realizado o seu sonho.
24.4.21