MALANDRICES ORTOESTÚPIDAS
O SOLcrates, e não só, embandeira em arco com a passagem do acordo ortográfico no parlamento. Está de parabéns o ministro da cultura, dizem os socretinos.
Que diabo, é um feito! Dar cabo de uma língua com mil anos não é tarefa fácil. Em vez de proteger o português de Portugal, que, com pequenas variantes, se fala e escreve em todos os países da CPLP e, mais (a)variado, se fala e escreve no Brasil, o governo escolhe subordinar, sem nenhuma espécie de lógica, a malta toda ao Brasil, descaracterizando a língua, a maneira de a escrever e a sua notabilíssima coerência ortográfica, fonética e sintáctica.
Nenhuma das pátrias-mãe das outras línguas europeias de expressão global se preocupa com este assunto. Toda gente sabe que defesa se escreve “defense” no Reino Unido e “defence” nos EUA, ou vice-versa, isto para só citar um exemplo entre centenas deles. O castelhano é falado e escrito em 20 versões diferentes, reconhecidas por Castela. O inglês em 19, que os ingleses não têm problema nenhum em aceitar. O francês em 15, coisa de que os propagandistas da francofonia se orgulham. É a partir desta diversidade que as respectivas línguas se enriquecem, que o entendimento entre os falantes se mantém, que se respeita a livre evolução de cada um. À pátria-mãe compete manter, intacta mas evolutiva, a língua que fala, como referência e padrão base para os demais.
Errado não é que os brasileiros tenham assucatado a língua à sua maneira. Estão no seu direito. Errado é que Portugal se empenhe nesta porcaria do acordo ortográfico em vez de o fazer em acordos comerciais e culturais que permitissem que os livros portugueses chegassem ao Brasil na sua versão original, sem “correcções” ortográficas ou de outra natureza, que permitissem que os nossos editores pudessem vender no Brasil, e vice-versa, claro, e que as comunidades pudessem comunicar sem dificuldades, nem entraves, nem achincalhamento da sua língua, na versão que usam e de que têm direito a orgulhar-se.
Todos nós compramos livros americanos na Amazon.uk, ou ingleses na Amazon.us, ou nas livrarias de Londres, Paris ou Nova Iorque.
Só os portugueses são obrigados a “traduzir” as suas obras para “brasileiro”, a arranjar um editor no Brasil, a não alargar os seus horizontes. Quanto a isto, o acordo ortográfico nada diz. Continuará tudo na mesma.
Resta a esperança que, à semelhança de tantas leis, esta também venha a ser “abolida” pela prática social, isto é, que os portugueses, os brasileiros e todos os outros borrifem no acordo e continuem a escrever como sempre o fizeram, sem alterações que, para além de demonstrativas de uma subserviência repugnante, o são também de uma estupidez poderosa e destrutiva.
António Borges de Carvalho