NEO-SOCIALISMO SOARISTA
Lá do assento etéreo onde subiu, docemente reclinado no argênteo fauteuil que o Estado trás de aluguer ao próprio para exclusivo uso do próprio, o Presidente Soares, referência máxima da III República, pai da II democracia portuguesa (a primeira foi a Monarquia Constitucional), com palavras duras, desafiou a camaraderia a que pertence a ter “vontade política”, porque há muito a fazer para debelar a pobreza, acabar com as desigualdades, etc.
Ou seja, perante os problemas sociais que o socretinismo arranjou e de que a candidata à liderança do PSD têm feito exclusiva bandeira, como Soares confessa, o governo, na sua esclarecida opinião, tem que fazer “uma reflexão profunda”, “actuar com políticas eficazes e bem compreensíveis para as populações”, “avançar rapidamente na resolução das questões essenciais”.
Não diz que medidas, nem que políticas, nem que avanços, nem nada que se pareça. Demos isso de barato.
O objectivo do senhor não é esse. Espremido o escrito, o que o senhor pretende é condenar veementemente o “neo-liberalismo”, o senhor Bush, o senhor Blair, a “globalização neo-liberal”, “fortalecer o Estado para os tempos que aí vêm e não entregar a riqueza aos privados”.
O Dr. Álvaro Cunhal, se ainda por aí andasse a promover a ditadura do proletariado, não desdenharia subscrever estas doutas opiniões.
Longe vão os dias em que o Presidente Soares opinava que “o que é preciso é acabar com os pobres, não acabar com os ricos”. Nesses tempos heróicos, ele percebia a mensagem, de que agora faz bandeira, dos países nórdicos. Hoje, se calhar com a idade, deixou de perceber. Os países nórdicos jamais “fortaleceram” o Estado, pelo menos no sentido em que ela aplica a expressão. Fortaleceram a economia liberal, “entregaram a riqueza aos privados”, e criaram políticas públicas de equilíbrio social. Ou seja, praticaram um capitalismo liberal, e social, se se quiser. O capitalismo liberal, “a vida”, como há quem defenda com carradas de razão, é o capitalismo limitado pela Lei (não pelos despachos dos ministros, à boa maneira africana). Não tem a ver com o neo-socialismo, que inspira o PS e nos levou onde estamos. O nosso verdadeiro cancro, o nosso drama, é esse neo-socialismo, bebido no pior que o 25 de Abril trouxe e aggiornato pelo cavaco-socratismo. Não é, com certeza, o neo-liberalismo, que ninguém sabe exactamente o que é, para além de bode expiatório que a esquerda inventou para justificar os seus próprios erros e falhanços.
A senhora Tatcher deu com os pés ao poder político dos sindicatos e deitou o socialismo para o caixote do lixo. Isto, enquanto se entretinha a pôr os argentinos nos varais e a acabar com a União Soviética. O Reino Unido passou de um país mergulhado em dificuldades a um dos mais prósperos da Europa. O senhor Aznar (até o camarada Gonzalez o tinha intuído!) aplicou receita semelhante. Os resultados são conhecidos, e não é o neo-socialismo do senhor Sapateiro que, destruindo-os, lhes retira o mérito.
Mas o senhor Presidente Soares, inspirado pelo anti-americanismo que lhe enche os derradeiros tempos, fiel às cartilhas que costumava meter na gaveta, vem alertar os seus camaradas e a sociedade em geral contra os monstros que, parece, lhe perturbam o sono. Tinha obrigação, acha o Irritado, de ter alguma lucidez, se não em relação ao estado do mundo, pelo menos no que diz respeito às causas dos problemas que diz querer ajudar a resolver.
António Borges de Carvalho