ABSURDO E TRAIÇÃO
Honradamente, e de acordo com as suas convicções, o Irritado subscreveu a petição contra o Acordo Ortográfico.
Os manda-chuvas da petição deslocaram-se ao Palácio Real de Belém, a fim de apresentar a coisa a SEPIIIRPPDAACS. Até aqui, tudo bem. O problema é que o ilustre Dr. Graça Moura, chefe da delegação, explicou à imprensa que o Acordo não pode ser aceite porque contém inúmeros erros técnicos.
O Irritado ficou irritadíssimo. Já não pode voltar atrás mas, se pudesse, voltava, e desassinava a coisa.
É indiferente que o Acordo tenha erros ou deixe de os ter. O Acordo é um erro em si. Todo ele. O espírito que o informa. A filosofia que lhe serve de base. O objectivo que se propõe. É, fundamentalmente, acima e abaixo de tudo, uma indignidade, um erro político monstruoso, um atentado violento, terrorista, contra a língua portuguesa, e contra a Pátria da língua portuguesa.
A língua portuguesa é e será sempre a que se fala e escreve em Portugal. Há nações, como o Brasil e a Galiza, onde são escritas e faladas versões adulteradas, ou regionalizadas, da língua portuguesa. Noutras, não se podendo usar a palavra “versão”, fala-se e escreve-se português com algumas variantes e expressões locais. E é tudo.
Os outros têm o direito de derivar, como nós temos o de conservar o que é nosso. Se tais direitos forem respeitados, haverá sempre uma referência da língua, uma base, um útero, que é a raiz de tudo. Se, daqui a uns séculos, houver línguas lusas como hoje há línguas latinas, que honra para nós, que bem para o mundo!
O Acordo Ortográfico, enquanto submissão às corruptelas do português que se usam no Brasil, é uma hedionda ofensa aos portugueses e um gozo estúpido para os brasileiros. Um absurdo sem nome.
Porque será que nos deu para isto? Já viram os ingleses preocupados com as (pelo menos) dezasseis versões da sua língua? Já viram os castelhanos preocupados com as (pelo menos) vinte variantes da deles? Já viram os franceses, tão ciosos da francophonie, andar atrás dos canadianos e dos outros (pelo menos) quinze que usam a sua língua com liberdades próprias?
Já viram algum destes países, que têm, como nós, línguas universais, submeter-se às versões de terceiros? Já viram algum deles “traduzir” obras literárias dos outros para a língua original ou para as versões dela, como nós, estúpida e indignamente, fazemos?
É sabido que o gosto de ser português se resume, hoje em dia, a uns jogos de futebol. Mas, que diabo, porquê destruir, sem utilidade alguma, o último sinal de identidade que, para além do Ronaldo, nos resta?
António Borges de Carvalho