IRLANDA PARA A RUA!
Não há referendos que não sejam uma aldrabice. A não ser, talvez, se a pergunta for extremamente simples e não se revestir de consequências políticas de monta. Pode perguntar-se a um habitante da freguesia de Badalhufe de Baixo se quer, ou não, um urinol público em determinado sítio. Será legítimo construi-lo, ou não, segundo a vontade da maioria? Talvez seja.
Noutros casos, os referendos são sempre, substancialmente, um atentado à democracia representativa, a única que existe e que é, na conhecida expressão de Churchill, o pior dos regimes, se excluirmos todos os outros.
Hoje e aqui, esta história de “devolver o poder ao povo”, de “auscultar a Nação”, etc., não passa de arma de arremesso dos Louças e dos Jerónimos, fanáticos inimigos da democracia representativa, ou seja, fanáticos inimigos da democracia tout court.
Um referendo sobre uma matéria tal que o Tratado de Lisboa atinge as raias da loucura anti-democrática. Não está em causa saber se o tratado é bom ou mau. A generalidade dos portugueses, como a generalidade dos europeus, não faz a menor ideia a tal respeito, mais que não seja porque não conseguem imaginar, com um mínimo de segurança, quais as efectivas consequências da sua entrada em vigor. Exigir que os cidadãos digam sim ou não ao tratado é o mesmo que perguntar a uma criança o que é o coeficiente quântico de incerteza e esperar uma resposta com pés e cabeça.
O referendo irlandês é uma demonstração clara desta realidade. Sob a batuta de um ex-terrorista profissional e de um demagogo rico de última hora, votaram contra o Tratado sem fazer a mais leve sombra de ideia acerca do que se tratava. Votaram Não, porque eram contra o aborto, como se o tratado tivesse alguma coisa a ver com tal assunto. Votaram Não, porque são contra o casamento dos maricas, como se o tratado lhe dissesse respeito. Votaram Não, porque são contra a eutanásia, como se houvesse, no tratado, alguma referência à coisa. Votaram Não, porque foram “informados” que o Sim significava aumento de impostos, como se o seu País não ficasse, em matéria fiscal, rigorosamente na mesma. Votaram Não, porque achavam que estava em risco a sua tradicional quão cobarde “neutralidade”, como se essa triste circunstância fosse “mordida” pelo tratado.
Em casos anteriores, como os da França e da Holanda, o Não foi motivado por descontentamentos diversos, que nada tinham a ver com a matéria a votar. Votaram Não, para chatear os respectivos governos.
A resposta maioritária dos irlandeses tem uma característica peculiar que nada abona em favor dos próprios. É que, sendo a Irlanda o país que, de longe, mais lucrou com a União, que passou de miserável, coisa que era há séculos, a rico, coisa que nunca foi, por causa dela, à custa dela, como se pode entender que não queira que ela tenha melhores condições de funcionamento? Estupidez? Egoísmo? Nacionalismo? Então, quando têm a barriga cheia dá-lhes para o nacionalismo? Céus!
Na Irlanda ganhou uma estranha união entre a extrema direita do demagogo milionário americano de última hora e a esquerda republicana do Sin Féin, filha dilecta do terrorismo, com 4 deputados em 166. Juntos, fizeram uma campanha baseada em inverdades e invenções. Assim como se o senhor Louça e o senhor Jerónimo se juntassem àquele tipo, cujo nome não sei, do partido nacionalista. Ou seja, les bons esprits se rencontrent. Lá como cá, quando se trata de desacreditar a democracia (e não só), são iguaizinhos.
E agora? Agora, sugere o Irritado, ponham os tipos na rua. Não é aceitável que a decisão legítima de 26 governos legítimos, representando 489 milhões de cidadãos, seja posta em causa por um milhão de irlandeses, ou idiotas ou desinformados. Se se deixasse vingar a vontade destes, então, adeus democracia na União. O remédio é, para aquela gente, acabar com o mercado único, taxar-lhes os produtos de exportação, fazer o que se sugeriu fazer aos catalães se insistissem em independentices.
Meta-se essa gente nos varais! Daqui a uns anos, quando sentirem na carne as consequências dos seus actos, então que venham pedir batatinhas. Sugira-se que, nessa altura, não antes, lhes poderá ser dada uma nova oportunidade.
Se não se tratar do assunto com firmeza a União está arrumada.
António Borges de Carvalho