A IRLANDA E OS INTELECTUAIS COM OPINIÃO
A Irlanda está para a Europa como Freguesia das Mercês está para Portugal.
Se a Freguesia das Mercês vota A, mas a maioria dos eleitores portugueses vota B, que interessa o voto da Freguesia das Mercês? Nada, ou muito pouco. Então, porque carga de água estamos todos à rasca porque uns vinte por cento dos irlandeses disseram não querer o Tratado de Lisboa?
Queixam-se as elites pátrias da “Europa”, uma Europa que é liderada por governos legítimos, os quais, legitimamente e por esmagadora maioria, estão com o Tratado. Queixam-se, como se se tratasse de uma ditadura dos governos “contra” os povos europeus. E consideram óptimo que os irlandeses tenham demonstrado que o David pode bater o Golias, como um deles escreveu. Bíblica inspiração!
Estão felicíssimos os Pachecos, os Barretos, os Alegres, todos do alto da sua “nobre” e “incontornável” “competência” intelectual. Do seu “escrúpulo” intelectual. E depois, dizem que os outros é que são populistas e demagogos!
Que democracia para a Europa se for a Freguesia da Mercês a condicioná-la? Que defesa para a Europa, se a Freguesia das Mercês for cobarde e quiser parasitar a defesa dos demais? Que capacidade de funcionamento para a Europa se quem quer que seja pode impedi-la de fazer seja o que for?
É evidente que a tal Europa tem inúmeros defeitos. É evidente que há um ror de burocratas que justificam o ordenado chateando as pessoas com pormenores idiotas. Mas não é o que se passa nas câmaras municipais, nos ministérios, nas repartições públicas deste país, todos os dias, a todas as horas? Não é isso o que é preciso erradicar, tanto por cá como na Europa? Então porque não se dedicam as ilustres inteligências a encontrar caminhos para resolver o que está errado, em vez de querer impedir que quaisquer canais de funcionamento aceitável, antes de mais político, possam ser abertos?
O Tratado de Lisboa, como todos os tratados, devia funcionar entre e com aqueles que o querem subscrever.
O grande problema, o maior perigo para a Europa, é esta cobardia de dizer que a Irlanda não pode ser excluída. Então porque votou contra? É óbvia, a resposta. Votou contra porque queria ficar de fora. Ou então, votou contra porque queria pôr os demais de joelhos, e aproveitar para os chantagear.
Se o grande defensor, o grande arquitecto do Tratado, como diz a propaganda, foi o senhor Pinto de Sousa, e se o senhor Pinto de Sousa se abaixa, então o que vai ser da Europa?
O que há a dizer à Irlanda é simples: se não querem, ficam de fora. Damos-lhes tempo para pensar. Quando quiserem reconsiderar, cá estamos. Entretanto, façam o favor de sair da UEM e as nossas fronteiras passam a funcionar para os vossos produtos.
Se outros quiserem seguir os irlandese, não hesitem. Respeitaremos as vossas soberaníssimas decisões.
Se os demais se abaixam, borrados de medo como o senhor Pinto de Sousa, então vê-se-lhes o rabinho. E vai ser o diabo.
António Borges de Carvalho
PS. A este respeito, vale a pena ler um artigo que o Doutor António Barreto escreveu no jornal privado chamado “Público”. Aí se vê como o culto do rebarbativo, a paixão pela fraseologia prolixa, o amor ao “que está a dar”, a espampanância de conceitos, quantas vezes contraditórios, pode levar uma pessoa com vários dedos de testa a escrever as desconchavadas considerações com que Barreto nos brinda.