SIMPATIA SOCRETINA
A esfusiante simpatia, boa educação, humildade e tolerância do senhor primeiro-ministro não cessam de nos surpreender, com o agrado e a emulação que tão ilustre personalidade suscita nos nossos peitos agradecidos e veneradores.
Na sua última declaração pública, fato liso, gravata lisa power tie, camisa lisa - como deve achar que é fino - o senhor primeiro-ministro, com um esgar de indignação e despeito, invectivou a “maledicência” da oposição a seu respeito, hediondo crime, suprema injustiça. Não contente com isto, o senhor Pinto de Sousa acusou os mesmos, com inteira razão, de “não apresentar propostas concretas”, de não contribuir para a boa governação, como, na sua esclarecida opinião, é seu dever. Sim, já houve pelo menos um país onde vicejavam partidos outros que o do poder, mas que, todos eles, se dedicavam honradamente a dizer bem do governo. Chamava-se RDA, e era um paraíso socialista que uns canalhas aniquilaram por causa da estúpida história de um muro qualquer.
Os nossos corações não podiam rejubilar mais com as palavras de sua excelência.
Ainda há (por enquanto!) por aí quem se atreva a dizer mal dele. Ele que, e que e que. Ele, que moderniza, que reforma, que acerta, que educa, que promete, que promete, que promete, ele que fará, um dia, obras públicas de fazer inveja ao Staline, ele, que heroicamente, suprema generosidade, só aumentará as SCUTS depois das eleições, ele que, com corajosa galhardia, se recusa a baixar o ISP e o IVA a fim de não lançar a Nação na bancarrota e permitir que o Estado tenha dinheirinho para gastar, ele, que à custa de benesses aos estrangeiros, consegue investimentos que fariam inveja ao Bangladesh, ele, que cria milhões de empregos que só a oposição não vê, porque é cega, porque não tem propostas, pelo menos propostas que lhe agradem, sim, que ele é o supremo juiz da qualidade das propostas dos outros. Só a ele cabe julgar, decidir, ordenar, castigar, mandar, cobrar, ai que bom, cobrar, cobrar, cobrar, cobrar intensamente!
Quando se fará, a este homem sem igual, a justiça de só dizer bem dele, a justiça de lhe propor o que ele quer que lhe seja proposto? Quando?
Ah! Portugueses mal agradecidos! Gente desalmada e grosseira!
António Borges de Carvalho