As SCUTS da nossa desgraça
Ou muito me engano, ou, em matéria de dignidade, fiabilidade, honorabilidade, estamos (quase) a bater no fundo.
Ontem, em todos os telejornais, ou quase (eu vi-o, e ouvi-o, três vezes) apareceu o ministro das obras públicas a explicar que isso das SCUTS era coisa que já tinha dado o que tinha a dar, mas por partes.
Não há um único português – nesta altura do campeonato tenho a impressão que até o deputado Cravinho já percebeu – que não saiba que as SCUTS foram uma asneira brutal, prejudicial, demagógica, inútil e injusta.
Não há um único português – nesta altura do campeonato tenho a impressão que até o deputado Cravinho já percebeu – que não saiba que nenhum dos apregoados efeitos benéficos das SCUTS, em termos locais, se verificou.
Não há um único português – nesta altura do campeonato tenho a impressão que até o deputado Cravinho já percebeu – que não saiba que quem se farta de rir com as SCUTS são os turistas que vêm a Lisboa, os tipos que vão aos touros a Espanha e quejandos. Conheço um inglês que anda sempre para baixo e para cima e que me pergunta porque é que tem que pagar pelos trinta quilómetros de Cascais a Lisboa, e não paga nada pelos outros trezentos, ao que lhe respondo que o melhor é deixar de fazer esforços para perceber as nossas particularidades, isto para não dizer que sofremos de inultrapassável e visceral estupidez.
Não há um único português – nesta altura do campeonato tenho a impressão que até o deputado Cravinho já percebeu – que não saiba que os custos das SCUTS são incomportáveis para o país, e que vamos todos (sobretudo os “mais desfavorecidos”, que o socialismo diz proteger) pagar com língua de palmo as viagens do inglês, dos aficionados e dos demais utilizadores das borlas do deputado Cravinho e do PS que a sorte nos deu.
Arrisco uma opinião, quiçá abusiva e condenável: o deputado Cravinho já percebeu, mas não dará o braço a torcer. Pelo contrário. Primeiro ele, depois o interesse dos cidadãos.
Quase me esquecia de que isto vem a propósito da insistente presença do preclaro ministro, antigo destacado militante do PC, nos telejornais de ontem.
Desde a campanha eleitoral que os altifalantes do senhor Pinto de Sousa (Sócrates) apregoam aos sete ventos que jamais se virão a pagar portagens nas SCUTS, ideia absurda de medonhos santanistas sequiosos de sacar algum ao povo. Não! Nem pensar! É um ponto de honra, um inultrapassável compromisso, uma benesse socialista que ninguém se deveria atrever a pôr em causa.
Agora, vem o ministro dar a cara pela taxação de algumas SCUTS, não todas (por enquanto, digo eu).
E, horribile visu, Sua Excelência encontrou, no programa eleitoral e de governo do senhor Pinto de Sousa (Sócrates), uma linha onde se pode pendurar a decisão. Notável.
Como é evidente e decorre do que acima digo, acho que ou há moralidade ou comem todos. Por conseguinte, julgo que, simplesmente, não devia haver SCUTS.
O problema não está nas novas portagens mas na brutal indignidade das aldrabices do Governo.
Em matéria de SCUTS, ou me engano muito ou só estamos a ver a ponta do iceberg.
Em matéria de desfaçatez, temos o melhor governo do século.
Uma nota ainda sobre os magníficos jornalistas que temos. Todos os que vi insistiam com Sua Excelência sobre o facto de as SCUTS ora taxadas serem no Norte, melhor dizendo, à volta do Porto. Não seria isso uma provocação ao bom povo da ridente e produtiva Região Metropolitana? Isto, para os chamados jornalistas, era o que havia a explorar. Que se lixem as incongruências do Governo. Nada melhor que aproveitar a oportunidade para arranjar mais uns gritos da morcãozada contra o centralismo de Lisboa. Uns discursos do Pinto da Costa y sus muchachos vinham mesmo a calhar nesta altura. Davam umas manchetesinhas que venderiam imenso. Nenhum dos ditos jornalistas teve a hombridade de dizer o que, em matéria de portagens, se passa cá por baixo. O ministro, é claro, arranjou umas “estatísticas” esfarrapadas, e pronto. Serviço público.
Bem espicaçada pelos media, e enquanto renderem, espera-se as manifestações de “justa indignação” do povo do Bolhão.
NB. Eu não dizia?. Hoje, a manchete do Diário de Notícias – primeira página, cinco colunas - é sobre as guerras a propósito das SCUTS. O aumento da electricidade aparece na página 6 do suplemento de economia, sem chamada no caderno principal e sob o exemplaríssimo título “Governo estuda forma de minorar aumento dos preços da electricidade”.
Grande Governo! Grande Diário de Notícias!
António Borges de Carvalho