O FUTURO DA EUROPA
Vale a pena reflectir um bocadinho sobre a triste história do referendo irlandês.
Quando a CEE se tranformou em UE, era de esperar que tal correspondesse a um movimento que viesse a consubstanciar-se em instituições políticas. Por outras palavras, esperar-se-ia que os estados europeus compeendessem que, num mundo multipolar, como se diz agora, ou a Europa se constitui em polo, ou verá fatalmente reduzida ou aniquilada a sua influência global e comprometido o seu futuro.
No plano da defesa, por exemplo, desde Kennedy que a Europa é chamada a constituir o “pilar europeu” da NATO. A resposta dos poderes europeus a este desafio saldou-se numa diminuição drástica do investimento na defesa, num atrazo tecnológico brutal em relação ao seu parceiro americano e numa dramática dependência externa, como tão bem ficou demonstrado na antiga Jugoslávia.
Mais grave, a Europa entreteve-se na criação de semi-instituições políticas, como o parlamento europeu, um parlamento que se divide por nações e que não corresponde a um universo eleitoral europeu que ninguém se preocupou, nem preocupa, em criar condições para que venha a existir.
É certo que se criou um mercado único, a moeda única, que se abriu as portas à circulação de pessoas e de capitais, etc. Mas, politicamente, a Europa não mexeu um milímetro. Continua prisioneira das soberanias nacionais, os novos países quiseram entrar para benficiar dos orçamentos e dos mercados dos demais, para se ver defendidos em relação à Rússia, sem a mínima sombra de ideal europeu.
O Tratado de Lisboa significava um primeiro passo para dar à Europa a capacidade de decisão que não tem. A instituição das decisões por maioria, ainda que qualificada, e a criação de uma direcção política estável são, a meu ver, dois passos gigantescos para um futuro menos negro.
Mas o Tratado ficou prisioneiro das regras que a UE aceitou para a sua aprovação. Os irlandeses, vítimas da infrene demagogia de um milionário qualquer e da estupidez do primeiro-ministro, votaram Não ao tratado. O resutado é que 26 governos legítimos, representado cerca de 98% dos cidadãos da UE, vêm gorado o caminho do futuro por meia dúzia (menos de 1% dos eleitores europeus) de enganados.
Dir-se-á, com alguma razão, que seria difícil fazer com o Tratado de Lisboa o mesmo que se fez com a adesão ao euro, isto é, adere quem pode e quer, suportando as consequências da não adesão, ou seja, criando-se um estatuto especial para quem ficasse de fora, desde que, como é evidente, uma maioria importante, aderisse. Como foi o caso.
A Europa vai continuar prisioneira da Irlanda por muitos anos e maus. A neutralidade irlandesa, em si uma violentíssima negação da solidareiedade europeia, as absurdas histórias do aborto e outras parvoíces do género, continuarão a ser alimentadas pela mesma gente, financeiramente mais importante que o Estado em matéria eleitoral, as complicações políticas de um governo incompetente continuarão a fazer-se sentir e, lá para o fim de 2009, tudo continuará na mesma.
A ideia que fica é a de que, à excepção dos esforços de Sarkozy, não há líderes europeus à altura de pôr em acto os ideais que criaram a UE.
As consequências de tudo isto vão ser devastadoras. Mais do que a crise financeira e económica, será a inexorável perda de influência global da Europa e dos restos de respeito que os demais ainda terão por ela, o que virá a acabar com o sonho, ou com a ilusão, de uma Europa forte, rica e democrática.
14.12.08
António Borges de Carvalho
PS. Agarrado à barriga, doido de alegria, o senhor Rosas, rebento esquerdista do salazarismo, representante de um partido comunista, congratulava-se há dias, na televisão, com o resultado do referendo irlandês. Onde pode chegar a cegueira e a fúria destrutiva de certa gente, é coisa que não vale outros comentários.