NEO-NACIONALISMO
O “referencial” da III República que dá pelo nome de Mário Soares presenteou a Nação com mais uma artigalhada político-obamista.
Desta vez, tristemente, as coisas ficaram ainda mais confusas do que é habitual.
Na opinião do ilustre senhor, a principal crise é “político-moral”, ou “crise de valores”. A parte económica e financeira é coisa de somenos importância. Relevante será criar “um novo paradigma”, que ninguém sabe o que é nem o articulista se dá ao trabalho de explicar, um “paradigma” que acabe de vez com o neo-liberalismo, coisa que o nosso bem-amado referencial também não sabe bem o que seja, mas que, de braço dado com o senhor George Bush, é fonte e causa de todos os males deste mundo, da fome à caspa, da guerra ao colesterol.
O nosso homem não sabe que esse repugnante neo-liberalismo tirou da mais profunda pobreza e trouxe para a via do progresso económico e social biliões de pessoas que, há muitos séculos, outra coisa não conheciam que não a miséria e a fome (muitas vezes por causa do socialismo), e aportou à comunidade global novos valores e novas formas de convívio, de comunicação e de possibilidades de compreensão e de vida em paz. Não sabe ou não quer saber?
Para ele, só o socialismo, o controlo feroz das economias (e das pessoas) pode levar a um mundo em que os valores (dele) tenham direito de cidade. O caminho de tantas e tantas “vítimas” da globalização e do neo-liberalismo é coisa que, para ele, não existe.
O que existe, para ele, é o lado mais negro de tudo.
E o que existe, nele, é um indisfarçável quão acéfalo júbilo de ver um sistema em crise, o enorme gozo que as desgraças do mundo lhe causam, o sadismo sem freio com que comemora tudo o que tem corrido mal, o anátema inquisitório com que condena todos os que não comungam das suas ideias de “progresso” socialista.
O antigo dirigente pró-americano – se não fossem os americanos jamais chegaria onde chegou -, o antigo político pró-NATO, o homem que em épocas distantes (quando ainda tinha alguma consciência da realidade), meteu o socialismo na gaveta, diverte-se, com a maior alegria, a condenar o sistema que o promoveu, e a achar que a presente pneumonia do capitalismo é um cancro congénito e incurável.
O senhor Bush ia levando com dois sapatos? Óptimo! O sapateiral “jornalista” é um herói! Os tipos que matam milhares de civis todos os dias no Iraque e no Afeganistão são uns heróis! Os aiatolas merecem o maior dos respeitos!
Tudo que se seja anti-americano, anti-ocidental, anti-cristão e anti-liberal é bom!
É claro, São Barak, novo padroeiro do Dr. Soares, vai arranjar tudo, dar cabo do negregado neo-liberalismo, do liberalismo tout court, acabar com as guerras, com a tortura, seguir à risca o programa político que o Dr. Soares para ele inventou.
A Europa é que é pior. Desta vez com razão, o Dr. Soares queixa-se da falta de uma resposta “única” da Europa à crise. São Barak, esse vai arranjar uma resposta, uma mezinha salvadora, “única” para todos os Estados da União. Na Europa, é o que se vê.
O problema é que, depois desta análise, fácil mas razoável, o senhor parte para um remédio pelo menos paradoxal. Deixa de advogar uma resposta unida da Europa para defender uma resposta nacional! Não cansa: por três ou quatro vezes, o Dr. Soares repisa e sublinha que a resposta à crise tem que ser nacional (o itálico é dele).
É comum à esquerda adoptar o neo-nacionalismo. Só não se sabia que o Dr. Soares alinhava com bascos e catalães, com chechenos e sérvios, no nacionalismo de esquerda!
Procurando resolver a insanável contradição, aventemos que, se calhar, o que ele quer dizer é que nos devemos “unir” para, todos juntos, dar resposta à crise e encontrar, nacionalmente unidos, o tal novo paradigma. Não irei tão longe quanto argumentar que já o Doutor Oliveira Salazar dizia o mesmo. Mas arrisco esta interpretação: o Dr. Soares quer que se baixe bandeiras para que todos, em uníssono, atrás do senhor Pinto de Sousa, caminhemos na gloriosa marcha para os amanhãs soaristas; quer que o Doutor Cavaco meta a viola no saco; quer que a dona Manuela se cale; quer que o Alegre deixe de chatear; quer o Jerónimo e o Louça nos varais. Todos, todos unidos, obedientes, agradecidos, veneradores e obrigados, jubilosos, de braço dado com o senhor Pinto de Sousa e o socialismo da treta.
Que o Menino Jesus e o 2009 tragam algum discernimento à cabecita do simpático ancião!
24.12.08
António Borges de Carvalho