DE NOVO, A CENSURA
Uns senhores psiquiatras forenses, reunidos em concílio, resolveram protestar contra a decisão dum tribunal de entregar a menina Esmeralda ao respectivo e diligente papá. Os clínicos em causa, após aturadas observações, resolveram opinar que não senhor, a criancinha devia ser entregue ao sargento que a criou.
Esta expressão de opinião desencadeou uma tempestade. Ou duas.
A douta Ordem dos médicos resolveu desautorizar os colegas, porque não tinham submetido a sua opinião ao julgamento da organização.
Ficamos a saber que, se um médico nos receitar umas aspirinas, a receita não é válida a não ser que seja submetida à homologação da Ordem. Mais. Ficamos a saber que os médicos, mesmo que em colégio, não podem emitir, publicamente, qualquer espécie de parecer profissional, a não ser que o distinto bastonário assim o deseje. Poderá dizer-se que os pareceres médicos são confidenciais e que os médicos não podem revelar a terceiros os seus diagnósticos. Mas não foi por aqui que a veneranda Ordem atacou. Fê-lo porque não tinha sido ouvida, isto é, se a tivessem ouvido, os psiquiatras já podiam, sem peias, revelar as suas opiniões. Pelo que se trata, não de homologar pareceres, mas de censura crua e dura, e de abuso de autoridade.
O não menos douto sindicato dos juízes (os juízes dizem-se órgãos de soberania e depois fazem sindicatos como se fossem metalúrgicos ou motoristas da Carris) veio a terreiro protestar indignadamente contra a ousadia da comissão de médicos. Não queriam mais nada? Então agora os senhores peritos têm o desplante, a ousadia, o topete, o atrevimento de criticar as decisões dos tribunais? Então não sabem o respeito que é devido aos órgãos de soberania? Onde é que isto vai parar?
Ficamos a saber que é proibido, na opinião do sindicato, criticar as decisões dos tribunais, sobretudo por parte de gente que esteve envolvida no processo. A distinta organização acha, se calhar, que se pode criticar as decisões do Presidente da República, do Parlamento, do governo, mas não as dos senhores juízes. Ou seja, censura, da crua e dura.
Toda a gente sabe que muita coisa há que não funciona a contento nesta pobre terra e que a Justiça, nesta matéria, é campeã. O sindicato dos juízes, na “boa” tradição sindical, não só é de opinião que os seus membros não têm culpa nenhuma do que se passa, como se eleva à posição de censor das opiniões expressas pelos cidadãos, atrevendo-se ao descoco de afirmar que não têm o direito de as exprimir se se tratar de criticar as imperiais decisões dos seus filiados.
Onde vamos parar?
20.1.09
António Borges de Carvalho