A loucura no poder
Rezam os jornais que entra hoje em vigor o Novo Regime do Arrendamento Urbano, mais uma preclara inicitiva do governo do senhor Pinto de Sousa (Sócrates).
Aparecem os nabos do costume a perorar sobre o assunto: um tal Metelo, ao que parece representante de uns senhorios, e um outro cujo nome me escapa e que diz representar “os inquilinos”. Conheço vários proprietários sem que nenhum deles seja filiado do senhor Metelo, e inúmeros inquilinos que nem sabem quem é o outro. Antes de mais, conviria que alguém puzesse a questão de saber a que título e com que legitimidade aparecem tais nabos com direito de cidade e de antena, a representar quem, evidentemente, não representam.
Bom, deixemo-nos de fait divers. Eles lá sabem, e pronto.
Importante seria fazer umas continhas antes de começar a tirar conclusões e, por maioria de razão, antes de começar a legislar.
Dizem os entendidos que há 420.000 fogos com rendas antigas, não sei se no país se só em Lisboa. Os mesmos entendidos dizem que há rendas de 15 euros, em fogos completos, não em quartos.
Vamos por partes, e com números muito modestos.
- Utilizemos os últimos 32 anos (a partir de 1974);
- Consideremos:
- €600 como renda antiga média/ano (€50/mês)
- Uma actualização acumulada de 50 vezes
- A percentagem de manutenção/conservação utilizada pelas Finanças (15%)
- Um IRS médio de 25%
Agora, façamos umas continhas simples, tudo a valores actualizados. As conclusões são as que seguem:
- Rendas pagas: € 8.064.000.000
- Rendas que deviam ter sido pagas: € 403.200.000.000
- Rendas “não pagas”: € 395.136.000.000
- Conservação/manutenção sobre o pago: € 1.209.600.000
- Conservação/manutenção sobre o actualizado: € 60.480.000.000
- “Subtraído” à conservação/manutenção: € 59.270.400.000
- “Subtraído” ao mercado: € 335.865.600.000
- “Subtraído” aos cofres do Estado: € 83.966.400.000
E assim:
a) O mercado do arrendamento foi completamente destruído, e substituído pelo monumental endividamento das famílias que toda a gente conhece;
b) A aplicação das poupanças foi desviada da economia para a chamada “casa própria” com dramáticas consequências para a mobilidade, a estabilidade, e as opções das pessoas;
c) O Estado, que tanto se queixa de falta de dinheiro e que tão mal gasta o que vai tendo, ficou sem, pelo menos (porque se houvesse manutenção havia mais IVA, mais emprego, etc.), mais de oitenta mil milhões de Euros nos últimos 32 anos.
d) O que resta do mercado de arrendamento é violentamente injusto e não tem quaisquer condições para melhorar, nem no quadro actual nem no do NRAU;
e) Se se fizesse uma actualização adequada e autêntica das rendas, o Estado cobraria em impostos muito mais do que o necessário para ajudar os que verdadeiramente precisassem, podendo usar o restante para prover a condições excepcionais de rehabilitação urbana. A “questão social” resolver-se-ia sem convulsões, como já aconteceu aquando da actualização extraordinária dos anos oitenta – o fundo de auxílio aos inquilinos foi utilizado a menos de 5%!
f) O NRAU protege os parasitas, agrava os problemas, aumenta as condições para o aumento da conflitualidade social;
g) Nenhum senhorio (só um doido) irá, de baraço ao pescoço, pedir às finanças que lhe reavaliem a propriedade, para, de imediato, ver o IMI decuplicar e, a longo prazo, aumentar (não mais que €50 por ano!!!) miseravelmente a rendazita ao inquilino, na certeza, ainda por cima, de que só o fará se se endividar previamente para pagar as obras que as finanças impuzerem.
Muito mais há a dizer. Mas não vale a pena, pelo menos por agora. É melhor parar, antes que me irrite mais do que de costume.
Certo será que vivemos num país de doidos, de irresponsáveis e de idiotas.
António Borges de Carvalho