UMA BOA NOTÍCIA
O camarada Carlos, perante indescritível frenesi das massas, decretou a ressurreição da luta de classes, desta vez ainda mais vigorosa e constante.
O pior é que as classes atacantes, logo à primeira, lhe fizeram um manguito de todo o tamanho. A greve dos transportes foi de tal ordem que até os técnicos de manipulação encarregados pelo Carlos de inventar uns números mais ou menos gloriosos se calaram como ratos. O governo, esse, nem precisou de inventar os habituais contra-números.
Ficou provado que, descontados os grevistas fiéis ao Carlos, os transportes funcionam menos mal, o que significa que tal gente não faz tanta falta como isso. Seria óptimo para as empresas públicas de transportes pô-los a todos no olho da rua. Os transportados pouco ou nada perdiam, e os défices desciam.
Dir-se-á que se trata de uma piada, mas não é.
Privilegiados que se dedicam a dar cabo da vida aos clientes são, objectivamente, inimigos da comunidade e não deviam poder contar com ela. Além disso, vendo as coisas pelo lado dos que trabalham e são mal pagos, a malta do Carlos é, também objectivamente, um entrave às suas justas reivindicações. Se são os melhor pagos e com mais regalias os que têm “direito à greve”, com que direito prejudicam os que, sem emprego ou mal empregados, pagam os seus serviços?
De qualquer maneira, esta mijoca de greve é uma boa notícia. Pode ser que a maioria do pessoal tenha percebido que, materialmente, não tem direito a ela e que o exercício de tal direito, nas suas circunstâncias, é um abuso formal. Para além de, como é evidente, não ganharem nada com o negócio.
O camarada Carlos levou na touca logo à primeira. Eis o que é uma boa notícia, no meio do mar de mais notícias em que, há anos, andamos a nadar.
4.2.12
António Borges de Carvalho