Pedro Simas é médico, professor na Faculdade de Medicina de Lisboa, virologista e líder da equipa de investigadores do Instituto de Medicina Molecular que isolou pela primeira vez o novo coronavírus em Portugal. Em recente entrevista ao Expresso, disse que “o próprio vírus é a solução, o único caminho é a imunidade de grupo”, identificando na sociedade “um excessivo medo de morrer: é fácil criar esse medo porque se olha para o raro e não para o global… Mesmo que um jovem saudável de 30 anos precise de ventilador tem uma probabilidade de recuperação muito grande. A nível mundial, as mortes por COVID 19 abaixo dos 30 anos são cerca de 0,2%. É um risco que faz parte da natureza”, afirmou na altura.
Anteontem foi ao telejornal da TVI. Patético, o entrevistador José Alberto Carvalho nem queria acreditar quando o cientista afirmou que “98% das pessoas que estão infectadas com o coronavírus têm infecções ligeiras”. E que apenas 4,5% das mortes que houve foram abaixo dos 60 anos (e nestas haverá que apurar as patologias prévias de que eram portadores, bem como o contributo relativo do vírus). Espantado, o José Alberto abriu os olhos de espanto quando o cientista continuou, afirmando que “o vírus, ficando endémico, vai ser um vírus normal da constipação, um vírus normal”. Ou seja, apenas mais um, a juntar-se aos vários que andam por aí – e que provocaram na época de 2014-15 a morte por gripe de 5591 pessoas (sim, leram bem: cinco mil quinhentas e noventa e uma), facto que não abriu telejornal nenhum. Nem provocou a curiosidade jornalística de quase ninguém, nem o terror colectivo. E muito menos parou o país também em 2017, ano em que se verificaram 3700 óbitos em Portugal por gripe. No ano seguinte matou mais de 1000 (mil) pessoas em 3 semanas, motivando a Drª Graça Freitas, já então Directora Geral da Saúde, a dizer que "há que desmistificar a gravidade da gripe A, que agora é uma gripe absolutamente normal, é um vírus igual aos outros residentes que circulam na natureza" (sic).
A venda do medo, estava, pois, a correr mal. Era preciso apelar a um frisson que agitasse o cenário, pelo que o jornalista interrompeu a objectividade simples e clara do virologista para entrevistar uma “catedrática de ética” da Universidade dos Açores – seja lá o que for a ética, no caso (será da Saúde?). Então, com voz grave e dramática colocou a questão do século: ”É legítimo as pessoas irem-se abaixo nesta altura?”, indagou. Ao que a “catedrática de ética” respondeu que sim, que “é perfeitamente natural irmo-nos abaixo perante uma ameaça tão grave”. Isto antes de divagar por recantos de psicologia de cordel, com ditos como “os afectos também vivem na sua profundidade por sentimentos” e bizarrias do género.
 
Há algum tempo atrás publiquei no Fbook as minhas dúvidas acerca do modo como se está a lidar com esta “crise epidemiológica” num texto intitulado QUO VADIS, COVID 19? E SE ESTIVESSE (QUASE) TUDO ERRADO ?, o qual mereceu notável atenção por muitas pessoas (com cerca de 200 partilhas), tão angustiadas e perplexas quanto eu. Nesse texto (consultável na minha página) apontava alguns FACTOS, que recupero agora (alguns números corrigidos) e que fazem reflectir:
- A mortalidade geral em portugal considerada como “normal” pelas autoridades de saúde é de 300 pessoas. POR DIA!
- Em Portugal, onde os primeiros casos confirmados foram registados no dia 02 de março, faleceram até hoje (15 de maio) 1190 pessoas oficialmente por COVID 19 (passe a polémica relativa à(s) causa(s) de morte: por COVID ou com COVID são, obviamente, cenários diferentes). Ou seja, em média não chega às 16 pessoas / dia.
- Os óbitos COVID 19 são preponderantemente de pessoas muito idosas e/ou com multipatologias graves. Cada morte, seja de quem for, é sempre uma tragédia – mas é sabido que a idade de uma população é uma das variáveis que mais impacto tem nos fenómenos vitais, aumentando notoriamente a probabilidade ou risco de morrer com o seu avançar. No caso das mortes COVID, a enormíssima maioria dos óbitos sucede em pessoas com mais de 70 anos, em particular com mais de 80 anos. Bastará dizer que, dos 1190 contabilizados hoje (15 maio), apenas 105 estão no intervalo 60 – 69 anos, 40 na faixa 50 – 59 anos, 13 mortes no intervalo 40 – 49 e UM abaixo dos 40 anos - um cidadão do Bangladesh, com patologias crónicas múltiplas. O que, aliás, é frequentíssimo nos óbitos COVID;
- Os óbitos por doenças cardiovasculares são 96 por DIA; por tumores malignos, 75 por DIA; por AVC 31 por DIA. Muitos destes óbitos são de pessoas ainda jovens. Entre outras causas de morte, o suicídio (cerca de 1300 por ano) surge como a segunda causa que mais mata na faixa etária entre os 15 e os 29 anos;
- O comportamento dos portugueses perante as ordens das autoridades foi profusamente elogiado pelo Primeiro Ministro e pelo Presidente da República. Fecharam-se em casa, correram a mascarar-se, fulminaram quem ousasse questionar fosse o que fosse, houve quem denunciasse o vizinho por não “cumprir as regras”. Tudo para cuidar da sua saúde, claro – Marcelo chamou-lhes “heróis”, o “milagre português”. Ora, espera-se então que, coerentemente, estas acções tão preocupadas ultrapassem o domínio estrito do coronavírus e cheguem também às outras causas de doenças e mortes. É que doenças como as cardiovasculares, tumores e AVC estão muito fortemente associadas ao estilo e hábitos de vida. E matam muitíssimo mais do que o coronavírus: ultrapassam as duzentas mortes por dia, incomparável com as quase 16 do COVID. Portanto, equivalentemente ao pânico desencadeado pelas televisões quando anunciam “mais 16 mortes por coronavírus em 24 horas!”, espera-se reacção no mínimo semelhante de ansiedade colectiva quando anunciarem “hoje morreram 202 pessoas por AVC, doenças cardiovasculares e tumores, por causas em grande parte evitáveis”. E aí vai ser ver toda a gente a deixar de fumar, a comer saudavelmente (incluindo limitação do consumo de produtos de origem animal), a fazer regularmente exercício físico, a tomar bebidas alcoólicas ocasional e moderadamente.
 
Não sei se Pedro Simas faz parte da equipa de cientistas que aconselham Marcelo e Costa. Se fizer, não sei se é ouvido na flagrante contradição entre a objectividade dos números e o pânico promovido e dramatizado pelos “media” e prosseguido pelos políticos. O que sei é que, segundo a própria DGS, 64% das infecções foram contraídas no cenário tão propagandeado do “fique em casa” (32% em lares de idosos, outras 32% em cohabitantes), enquanto apenas 7% foram contraídas em “ambiente social” (sic). Tal não impediu o catrastrófico fecho de um país, com tremendas implicações – sim, a pobreza também mata, devastadoramente e de várias maneiras. Numa altura em que a polícia aborda repressivamente pessoas que estão simplesmente sentadas na areia de uma praia deserta, em que crianças com 3 anos são cruel e insanamente impedidas de brincar umas com as outras, já não é do coronavírus que se trata. Trata-se, sim, de um invasivo cancro que corrói a Liberdade, que tanto custou a ganhar.
 
Paulo Figueiredo
 
17.5.20