ESTAMOS EMPODERADOS
Nos parlamentos dos países civilizados há uns juristas e uns linguistas que tratam de pôr em letra de forma os diplomas legais, de acordo com a vontade política dos deputados. Nos tempos longínquos em que fui deputado não havia disso, como não havia um cagagésimo das facilidades de que os membros do nosso parlamento hoje gozam.
Nas últimas duas décadas gastou-se milhões em equipamentos, comunicações, restaurantes, instalações diversas, para dar aos deputados, e muito bem, melhores condições de trabalho. Que eu saiba, também se meteu mais uma carrada de funcionários em São Bento. Parece, porém, que nenhum deles se destina a verificar, segundo critérios técnico-jurídicos e linguísticos, os textos dos projectos de lei. Ou então que, havendo quem a tal se dedique, esse alguém foi “seleccionado” por cunha, não por mérito.
Serão estas as presumíveis explicações para a esmagadora quantidade de asneiras que se têm registado, para os pontapés na gramática, as omissões, as derrogações involuntárias, o diabo a quatro.
O PGR foi ao parlamento e, sem papas na língua, pôs as coisas como elas são a propósito de um projecto qualquer – do PS, pois de quem havia de ser – sobre violência doméstica.
Denunciou uma vírgula incrivelmente estúpida. Denunciou artigos sem conteúdo. Denunciou o primitivismo pedante do neologismo “empoderamento” (e esta, hem!). Denunciou contradições e trapalhadas várias, pleonasmos, redundâncias, um oceano de inacreditáveis asneiras, ao ponto de se declarar violência doméstica a que se pratica no “local de trabalho”. Neste aspecto, dou o benefício da dúvida aos legisladores do PS: queriam, com certeza, prevenir os ataques às mulheres-a-dias ou outras funcionárias domésticas que, como é sabido, soe serem objecto das mais violentas práticas por parte de repugnantes membros da classe capitalista, ou seja, das patroas.
Espera-se que, devidamente aconselhados pela dona Edite Estrela, os deputados do PS venham a terreiro defender a forma notável como redigiram esta lei, e muitas outras, a fim de desmentir o miserável ataque de que foram alvo por parte do PGR.
11.3.09
António Borges de Carvalho