Censuras
Toda a gente sabe o que era a censura durante a segunda República. Os tipos cortavam tudo o que não conviesse ao governo, é o que se pensa. Mas iam mais longe, ou por mor de critérios oficiais, do que duvido, ou segundo a sensibilidade própria e os conceitos morais de cada censor, aquilo que cada um deles achava “conveniente” para a sociedade portuguesa. Cortavam notícias sobre crimes, para não dar maus exemplos ao povo, censuravam as manifestações sociais que considerassem susceptíveis de causar alguma tentação, uma senhora com as pernas cruzadas, a mostrar a coxa, era coisa que, à boa moda dos aitolas e quejandos, podia corromper a juventude, um cena de pancada no futebol podia dar uma imagem errada da paz social em que a Nação vivia, etc.
Toda a gente sabe isto. Não viria a propósito não fora a indignação manifestada, por escrito, por um senhor que se chama Ruben de Carvalho e que foi candidato do PC à Câmara de Lisboa. Como é que um membro de um partido estalinista, um admirador de Fidel e de Kim Jong Il, tem a distinta lata de se considerar ofendido, ou de se indignar com a pretérita existência de uma instituição que é um dos principais sustentáculos dos regimes que admira e que almeja trazer para cá?
Deve tratar-se de uma questão de raison d’être. É que, enquanto a censura da segunda República actuava em nome de uma nação hediondamente fascista, a censura estalinista destina-se a proteger a ditadura do proletariado e o doce poder do partido comunista.
O mal, para o senhor Carvalho, não é a censura, mas a natureza do poder que está por trás dela.
Quando vemos por aí o camarada Jerónimo e a sua mesnada armados em campeões de democracia, podemos – sobretudo as novas gerações – pensar que estamos perante alguém que, vindo de uma ideologia que não partilhamos, está empenhado em defender a nossa liberdade e partilha de algumas ideias-chave da democracia liberal. Não partilha, não senhor. Sabe que não partilha. Sabe que mente com quantos dentes tem na boca. Mas mente na mesma. Não tem escrúpulos. Nem hesitações. Os fins justificam os meios, sejam eles quais forem. Nem que sejam os de auto-censurar as ideias próprias para fazer crer aos demais que merece a sua confiança. Quando parece defender coisas estimáveis, o PC está, consciente e determinadamente, a mentir.
É evidente que o PC tem votos. Tem direito de cidade. Acho bem. Só não percebo porque é que, enquanto tal gente actua dentro da legalidade, os defensores da segunda República estão constitucionalmente impedidos de existir. Porque é que a Lei (como diria o camarada Pinto de Sousa – Sócrates) não há-de ser igual para todos?
António Borges de Carvalho