INCURSÕES AMERICANAS
LÁ COMO CÁ?
O Presidente Obama revelou há dias o seu plano para o desenvolvimento do sistema HSR (High Speed Passenger Rail), o que, por cá, em bom franciú, se chama TGV.
Não direi que o fez por influência do senhor Pinto de Sousa, mas não deixo de notar a coincidência. Estranho, até, que o nosso tão arguto primeiro-ministro ainda não se tenha servido, como argumento de peso, da progressista iniciativa do seu “colega” americano.
O projecto era há muito defendido pelo Presidente, mas só agora foi anunciado como intenção a concretizar.
Lá, como cá, a polémica é mais que muita.
A “religião” da esquerda obamista tende a confundir o comboio com “o bem” e o automóvel com “o mal”. Os obamistas moderados levantam algumas interrogações, ainda que, em princípio, tendam a apoiar o projecto do Presidente. À direita discute-se, faz-se contas, estuda-se cenários.
Interessante é verificar que as projecções do futuro de médio prazo apontam para um boom da indústria automóvel dentro de mais ou menos três anos, com a entrada no mercado de novos consumidores, com a adaptação a novos paradigmas construtivos e com alívio da intensidade da presente crise financeira.
É também interessante verificar que, na prática, as opiniões são unânimes quanto ao facto de o sector dos transportes, nos Estados Unidos, ser cronicamente deficitário e cronicamente subsidiado, no que diz respeito ao automóvel como à aviação e ao transporte ferroviário e, nos três casos, tanto nas infra-estruturas como no material circulante.
Parece que, de um ponto de vista “filosófico”, Obama pretende – terá três anos, o que é pouquíssimo, para o conseguir - criar uma espécie de “novo americano” que se disponha a abandonar a privacidade, a flexibilidade e a liberdade que o automóvel oferece, em favor do transporte ferroviário, menos poluente, mais “colectivo”, mais adequado ao longo curso, só lhe faltando, neste último aspecto, a velocidade.
Muito se duvida que este objectivo seja conseguido, e não é preciso fazer muitas contas para concluir que é possível que tal viragem represente uma sobrecarga de subsídios para o Estado, quer dizer, para o tax payer, e mais um factor de crise para a indústria automóvel.
Por outro lado, não falta quem se horrorize com os 13.000.000.000 de dólares que, numa primeira fase, o Estado se propõe gastar só para as “primeiras impressões” na adaptação das vias. Se estas, como está previsto, forem objecto de upgrading sem duplicação, colocarão gravíssimos problemas de circulação, mormente no transporte de mercadorias, sector em que o track é vital.
Lá como cá, não falta quem se interrogue sobre a viabilidade e a real utilidade do projecto de Obama. Uma diferença, porém, haverá que relaçar: é que o material de via, carris, travessas, fixações, catenárias, como o circulante, locomotivas, carruagens, maquinaria, tudo ou quase é de produção americana. Seja qual for o sucesso económico e financeiro do projecto, poderá sempre defender-se que os dinheiros que Obama irá mobilizar para o projecto criarão emprego, alimentarão a indústria americana, e não contribuirão para o défice comercial. Lá, não cá.
O financiamento desta operação de grande fôlego é outra questão por resolver. Os habituais tomadores da dívida americana deixaram de estar permanentemente disponíveis para tal, por um lado preocupados que estão com a sua própria estabilidade financeira e, por outro, repensando as suas posições quanto à fiabilidade da tomada de obrigações americanas. Preferem, como é natural, esperar pelos resultados das políticas da nova admistração.
Por cá, não. Por cá o poder não tem dúvidas. Precisa, para as suas loucuras, de muito mais que o Presidente Obama anunciou para o HSP. O dinheiro entrará, ao preço do ouro, pagará uns salários, e sairá, de novo, correcto e aumentado, para pagar colossais importações.
A dívida, o que é isso da dívida? Uma maluquice do Cavaco.
Encravar, sem remédio, o futuro, mas o que é que tal interessa? Nada, a não ser à líder da oposição que, coitada, tem a mania do dinheiro.
Desproporção brutal entre os EUA e esta coisa, vale como argumento? De maneira nenhuma.
Preciso é ganhar as eleições, depois logo se vê. Se as maluquices dão votos, vamos a elas. De qualquer forma, estes tipos nem sequer se lembram que jamais terão o TGV ou o aeroporto. Depois das eleições, vão ver. Se aguentaram as mais evidentes aldrabices e as trampolinices mais primárias durante quatro anos, porque é que não as hão-de aguentar outros quatro?
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UM FUTURO BRASILEIRO?
A performance de Barak Obama na cimeira de Trinidad e Tobago foi, em termos de opinião pública, praticamente reduzida às novidades sobre a política dos EUA em relação a Cuba.
Obama lançou a “banana” das viagens e de um reduzido número de outras facilidades, e utilizou o “chicote” do embargo para convencer o actual ditador cubano a aliviar a inaceitável inexistência dos mais elementares direitos dos seus “cidadãos”. Em termos diplomáticos procedeu como devia, deixando antever a possibilidade do fim do embargo sem acabar com ele, antes exigindo sinais claros de libertação da sociedade civil cubana, coisas que o mundo civilizado compreende e aceita e que as habituais pitonisas esquerdistas consideram de menos, uma vez que, para tal gente, os EUA deviam “sustentar”, literalmente, a ditadura cubana, sob pena de “ingerência nos assuntos internos” do enorme campo de concentração que a ilha é há tantas décadas.
Menos badalado mas tão importante, ou mais, que este shift na política dos EUA, foi a abertura do chamado ethanol partnership com o Brasil, destinado a reduzir as importações americanas de crude. Isto, em princípio, corresponderá ao fim dos 54 por cento de tarifa alfandegária que torna proibitivas as compras de etanol ao Brasil e que protegem a produção doméstica a partir do milho.
Esta proposta, aparentemente destinada a abrir o mercado ao novo gigante económico das Américas, o que é, ou será, positivo, parece vir um pouco ao arrepio de um futuro previsível. É que, ainda que se possa considerar que o arrefecimento dos mercados de capitais vai impedir, a curto e médio prazo, a exploração das monumentais reservas petrolíferas brasileiras recentemente descobertas, não resta aos Estados Unidos outra alternativa senão a de vir a comprar crude ao Brasil, mais que não seja para substituir a brutal dependência americana em relação à Venezuela, a qual, perversamente, financia o desenvolvimento do autoritarismo “bolivariano” do senhor Chávez e potencia e o consequente anti-americanismo na região.
Uma coisa não impede a outra, dir-se-á. Veremos como a administração Obama irá gerir estas questões. Na certeza, porém, que o Brasil, de uma forma ou de outra, ou das duas, se prepara para exponenciar o seu potencial energético e a sua influência geo-estratégica.
23.4.09
António Borges de Carvalho