Da honestidade intelectual
O escritor Mário de Carvalho (não é meu primo, felizmente) diz que “ser de direita é viver e pensar entre zinabres, bolores e cotões”.
Como ando muito chateado com a direita (um bando de socraticóides!), tratei de tirar a coisa por miúdos. A exegese da frase, para um ignorante como eu, teria de começar, naturalmente, por tratar de saber o que quer dizer zinabre. Lá fui ao dicionário. A coisa não foi fácil. Zinabre – o mesmo que azinhavre. Que maçada! Azinhavre – o mesmo que azebre. Ainda pior. Azebre – aloés, mistura de hidrato e de carbono de cobre que se forma na superfície dos objectos de cobre por efeito da humidade do ar ou dos líquidos; verdete; pop. finura, malícia, gaiatice.
Imagine-se, então, o que é um tipo de direita: uma espécie de sem-abrigo, aquecido por cotões, com bolores nas virilhas e nos sovacos, porco, verdadeiramente porco, de tal maneira que lhe crescem verdetes nos dentes e no rabo. Sim, não estou a ver que seja outro o significado de zinabre o que está no espírito do ilustre intelectual. Não creio que à direita queira atribuir finura, malícia ou gaiatice, ou que a queira comparar com um cacto.
A leitura das restantes observações do tal escritor milita a favor desta tese. Diz ele: “A direita não tem, nem nunca teve, princípios: tem preconceitos. A direita não tem, nem nunca teve, propostas: tem slogans. A direita não defende, nem nunca defendeu causas: mas interesses. A direita não cria ideias: inventa pretextos. A direita não expressa razões: faz propaganda. A direita é a imagem do nosso atrazo, responsável e produtora do que há de mais boçal, retrógrado e deprimente na sociedade portuguesa. Quando alguém se proclama de direita (…) assume um lastro de opressão, violência, ignomínia, mentira, obscurantismo, que pesa através dos séculos e que nos vem diminuindo e amesquinhando até aos nossos dias”
Para avaliar da qualidade, da profundidade e da qualidade intelectual desta diatribe, façamos um exercício simples: substituamos a palavra direita por esquerda. O texto fica na mesma, escorreito, verdadeiro, “feliz”. Tão eficaz de uma forma como da outra. Tão vazio e pobre quanto rebuscado e pretencioso.
O tal Carvalho (não é meu primo!) mostra-nos à saciedade o que é um demagogo fundamentalista e acéfalo, de esquerda ou de direita, tanto faz. Não analisa, anatemisa; não fundamenta, excrementa. Mostra-nos o que há de mais rasca na cabeça das pessoas, a intolerância acrítica, o facciosismo visceral, o irremediável horror à diversidade e à convivência, a anti-humanidade dos iluminados, dos proprietários da verdade, dos aiatolas, dos canalhas da política. É desta massa que se fazem os hitleres, os estalines, os amadinejás, os inimigos da Liberdade.
Será isto, a esquerda? Espero que não. Mas não tenho a certeza.
António Borges de Carvalho