Santana fez bem?
Não sei se o dr. Santana Lopes fez bem em vir, por escrito, dizer a verdade sobre o que se passou com o seu governo.
Num país politicamente acéfalo, ignorante e acrítico, a verdade é sempre o que “está a dar”, ou o que interessa, jamais o respeito pelos factos.
Por mais que Santana Lopes esgrima com a verdade, não sei se vale a pena. Talvez (o optimismo é um vício terrível) daqui a uns anos, passado o veneno que a teia de interesses políticos em vigor destila, haja quem, por respeito pela História, por distância intelectual, por amor à Verdade, venha repô-la na sua cristalina pureza. Para já, é capaz de ser inútil.
Por mim, sem ler o livro, não tenho sombra de dúvida sobre alguns pontos, tão importantes quão verdadeiros. Cito apenas três:
1. O doutor Cavaco Silva foi um dos principais obreiros da destruição da maioria e do poder do seu partido:
1.1. Através do célebre artigo sobre a moeda má, que substitui a boa[1].
1.2. Por via do episódio do cartaz de campanha, quando, por “razões académicas” não autorizou que o seu retrato figurasse nele. Por razões académicas! Para quê comentar? Pinto de Sousa (Sócrates), em matéria de mentira, teve um bom mestre;
1.3. Servindo-se de intervenções “académicas”, sempre insistindo na crítica demolidora, subliminar ou não, ao governo que lhe competia apoiar;
1.4. Na permanente atitude de imperial distanciamento em relação ao próprio partido, ele que ao partido em geral e a Santana Lopes em particular, é devedor de ter chegado onde chegou. Em matéria de gratidão e reconhecimento, estamos conversados.
2. A dissolução do Parlamento foi um golpe de Estado constitucional.
O sistema constitucional português, fundado em 1982[2], foi enganado, ou abusado, pelo dr. Sampaio. Se é verdade que a letra da Constituição permite a dissolução do parlamento pelo PR, não menos verdade é, para quem consultar o “espírito do legislador” – primeiríssima fonte de interpretação das suas normas, que a destruição de uma maioria em funcionamento contraria brutalmente a Constituição. Um golpe de estado constitucional, em ciência política, é exactamente isso: utilizar a forma para contrariar o conteúdo. Isto, dando de barato o perigosíssimo precedente aberto pela irresponsabilidade do dr. Sampaio. Para ele não há desculpa possível, uma vez que conhece bem o que a Constituição diz e o que ela quer dizer.
3. A frustração e a inveja comandaram muita gente.
Os Machetes[3], os Marcelos[4], os Veigas[5] & Companhia, possuídos da mais baixos sentimentos, atacaram em força, inundando a sempre sequiosa comunicação social, fosse a que pretexto fosse, das mais descabeladas diatribes.
Não sei se Santana Lopes fez bem em lançar o livro neste momento. Não é chegado o tempo da verdade. À esquerda, naturalmente, ao centro, estranhamente, e à direita, normalmente, mantém-se o ambiente moral, e mental, que fabricou Pinto de Sousa (Sócrates).
O sono da razão engendra monstros.
António Borges de Carvalho
[1] Tinha razão. Pinto de Sousa (Sócrates), moeda má, substituiu a boa.
[2] O general Eanes ainda não engoliu o que os constituintes de 82 fizeram aos seus poderes. Ao ponto de dedicar a vida à sua crítica. Rezam as crónicas, aliás, que fará a grande girândola do seu ódio ao sistema através de uma tese que preparou e que defenderá em Espanha. À época, o senhor, coitado, imaginava-se uma espécie de De Gaulle.
[3] Rui Machete, inimigo feroz de Cavaco Silva – o homem tinha destruído o seu querido Bloco Central – transfigurou-se em emérito cavaquista e num presidencialista serôdio.
[4] Marcelo, não refeito da sua infeliz gestão do PSD, e possuído, como sempre, de fervores maquiavélicos, achou por bem colaborar na demolição do governo do seu próprio partido. Não cuidou, sequer, de chegar aos maiores dislates, como o de acusar, por via de bem urdida maquinação, o seu governo de “manipular” a informação.
[5] Miguel Veiga, homem que jamais deu a cara fosse pelo que fosse que o pudesse incomodar ou pôr à prova, alçapremou-se, por razões que não enxergo, à posição de reserva da comunicação social, para quando são necessárias “bocas” destinadas a demolir alguém.