Ninguém percebe?
Quando falamos do Líbano, país em cuja “reconstrução” Portugal coopera com uma companhia de engenharia, não nos damos conta das particularidades do regime político que o governa. Estamos habituados a alguns standards que, nossa ingenuidade, julgamos aplicáveis onde houver eleições, parlamentos, etc.
Aceitamos, por exemplo (é o meu caso), a legitimidade de um homem como Pinto de Sousa (Sócrates), mau grado tratar-se de um mentiroso compulsivo, de não cumprir uma única das suas promessas, de fazer o que criticava que os outros fizessem, de se entreter a endireitar o défice e a destruir o que resta da economia, de aumentar brutalmente os impostos sem qualquer contrapartida, de estar a levar o país para o mais grave beco que a III República já conheceu. Aceitamos que deve governar, pela simples e cristalina razão de que dispõe de uma maioria parlamentar. Sabemos que o dr. Sampaio não pensava assim, restando-nos esperar que o actual PR não faça parte da categoria dos golpistas.
No Líbano, as coisas passam-se de outra maneira. Um partido minoritário, cuja força se deve, não aos votos dos libaneses mas ao facto de integrar e comandar milícias armadas que aterrorizam as populações e que em nada dependem da autoridade do Estado, acompanhado por pequenas formações que são o seu alter ego, participa do governo(!), exige – e pode consegui-lo(!) - que a sua minoria tenha poderes de bloqueio político, e opõe-se, sob ameaça, ao julgamento de criminosos que lhe são afectos. O dito agrupamento terrorista acusa a maioria de não querer partilhar o poder(!) e os seus ministros demitem-se, sob o extraordinário pretexto de que a maioria “insiste em querer exercê-lo sozinha”. Entretanto vão assassinando mais uns fulanos, acusados de lhes não ser afectos, o que, para muita gente, não passa de descartável fait divers .
Tudo isto é dificilmente entendível para nós. Mas, havendo na região os problemas que há, poderá dizer-se, como é típico de quem não tem grande apreço pelos valores democráticos ou os torce segundo alegadas conveniências, que os nossos standards políticos não são aplicáveis na região e que é um erro crasso tentar “vendê-los” sem cuidar das “nobres tradições”, ou da “cultura”, de certos povos.
Quem assim pensa comanda a chamada comunidade internacional, à revelia dos seus próprios valores e, muitas vezes, dos sistemas de legitimidade em que acredita.
É por isso que essa comunidade, e Portugal com ela, gasta triliões de Euros a reconstruir as bases terroristas do Ezebolá, na estulta ilusão de que está a contribuir para a Paz na região. Dir-se-á que o que se reconstrói são aldeias e infraestruturas. Mas o que são tais aldeias e tais infraestruturas senão as bases militares do Ezebolá e os seus sistemas de comunicações estratégicas, de mobilidade táctica e de suporte logístico? Julgará a chamada comunidade internacional que “conquista” a boa vontade e leva à pacificação do Ezebolá com esta atitude? Que está a fomentar a Paz? Que está a fazer humanitarismo? Tudo isto enquanto o Ezebolá continua, olimpicamente, a assassinar os que não são da sua cor, e se prepara, sem que "ninguém dê por isso" para voltar às hostilidades logo que lhe tenham reconstruído as "infraestruturas civis"?
Foi este tipo de atitude contemporizadora e estupidamente pacifista que levou a Europa à mais violenta hecatombe da sua história.
Não aprendemos nada? Não haverá outra maneira de lidar com o problema?
António Borges de Carvalho