O caldeirão
A “The Economist” desta semana, acabadinha de chegar, titula, com ironia ou amargura: “Outra semana em grande para a Europa – paralisia em Itália, rendição em França”. Em fundo, reproduz o Inferno de Bosh, com o mafarrico a presidir à cozedura dos pecadores no caldeirão da história.
Comentei neste blog, há poucos dias, o miserável recuo do senhor Chirac que, cedendo à turba-multa, desautorizou o seu primeiro ministro e deitou para o lixo o que poderia ser um elemento, ainda que tímido, de uma reforma desesperadamente indispensável.
Um bom exemplo de “democracia” participativa, como por cá é conhecido o sistema.
Em Itália, se é verdade que o senhor Berlusconi falhou nas suas promessas de reforma, não o é menos que o saco de gatos em que o inenarrável Prodi se meteu integra, agora com o imenso poder de bloquear tudo o que lhe vier à cabeça, as franjas irreformáveis da esquerda mais troglodita e cega que imaginar se possa.
Isto quer dizer que, em dois pilares fundamentais da Europa do Euro, uma crise de gigantescas dimensões está a dar passos seguros, alicerçada na cegueira que o estado providência criou. O sacrossanto “direito ao trabalho” de uns lança milhões para o desemprego e cria os fundamentos da destruição a curto prazo de tudo o que diz defender. Isto, por estúpido respeito à cartilha e por voluntária cegueira em relação ao século e ao mundo. Estupidez e cegueira tanto mais graves quanto, mais do que propostas teóricas de reforma, não são poucos os exemplos dos que, reformando, longe estão da fatalidade da crise, ainda que não deixem, por culpa de italianos, franceses e quejandos, de vir a ser afectados por ela.
Nós, por cá, todos bem. Digamo-lo com a mesma ironia ou com a mesma amargura da manchete da “The Economist”. O monstro estatal, por entre parangonas de falsa reforma, estende as suas garras, aumenta impostos, ignora as expectativas que criou e, enquanto mais que duplica o défice (de 2,9 para 6 por cento, pelo menos), vai dizendo, para que ecoe nuns media de papalvos, idiotas e aparatchiks, que o está a reduzir em 0,85 pontos percentuais.
Para o português médio, o trabalho continua a ser um direito, nada tendo de obrigação. Coitadinhos dos preguiçosos, dos néscios e dos inúteis, que não exercem tal direito. Para o português médio, o desemprego é a solução. Fazer o que fazem brasileiros e ucranianos é que não. T’arrenego!, que me caem os parentes na lama!
O português médio não tem culpa. Foi esta a educação que, como se fosse democrática, lhe deram na escola e inscreveram na mais nobre das sedes: a Constituição. No fundo no fundo, todos pensamos como nos foi ensinado: alguém há-de resolver isto. Eu, que só exijo o que me é devido, tenho o direito de assobiar para o ar. Quem vier atrás que feche a porta.
Só não nos é dado pensar, nem os fazedores de opinião se preocupam com isso, que a fogueira já está acesa e que o mafarrico nem precisa de se preocupar em arranjar mantimentos. Nós iremos, felizes e contentes, cheios de “direitos” e de orgulho, meter-nos no caldeirão.
António Borges de Carvalho