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irritado (blog de António Borges de Carvalho).

O SOCIALISMO É A FILOSOFIA DO FRACASSO, A CRENÇA NA IGNORÂNCIA, A PREGAÇÃO DA INVEJA. SEU DEFEITO INERENTE É A DISTRIBUIÇÃO IGUALITÁRIA DA MISÉRIA. Winston Churchill

irritado (blog de António Borges de Carvalho).

O SOCIALISMO É A FILOSOFIA DO FRACASSO, A CRENÇA NA IGNORÂNCIA, A PREGAÇÃO DA INVEJA. SEU DEFEITO INERENTE É A DISTRIBUIÇÃO IGUALITÁRIA DA MISÉRIA. Winston Churchill

UM VELHO DESESPERADO

 

Verdade ou não, as religiões monoteístas que o senhor Saramago ditirambicamente acusa de invenção, mentira, crime e outras malfeitorias, criaram, moldaram e, em seu tempo, dominaram a civilização a que o senhor Saramago pertence, queira ou não queira, goste ou não goste.
 
Com inspiração divina ou sem ela, a civilização a que o senhor Saramago pertence divulgou coisas magníficas, como a solidariedade humana e o respeito pelo próximo, e coisas horríveis como a crueldade, a intolerância e o imobilismo. A civilização a que o senhor Saramago pertence inspirou génios, como Miguel Ângelo, e pessoas odiosas e odientas, como o senhor Saramago.
 
Se olharmos a religião, qualquer religião monoteísta, é fácil concluir que os males que tem causado e continua a causar à humanidade não advêm da sua prática comum mas das interpretações fundamentalistas, histéricas, fanáticas, agressivas e inumanas que os seus intérpretes lhes quiseram dar.
O mesmo não se passa com certas ideias que, não recorrendo a dogmas mais ou menos metafísicos, como o bolchevismo e o nazismo, são más em si e não consoante a interpretação que se lhes dá.
Pode argumentar-se que, de um tronco comum, estas religiões derivam, para os não crentes, de um só corpo de lendas a que o tempo, a imaginação dos homens, os azares da guerra ou as oportunidades da política foram dando formas diversas. De qualquer maneira, em todas elas é possível encontrar um código de conduta que informa positivamente o comportamento social e que só se tornará indesejável por ausência ou por perversa interpretação.
Pelo que as crenças dos outros, para quem as não aceita, serão más ou boas, não em si mesmas, mas consoante se interpretam e utilizam.
O que o senhor Saramago faz é dar à sua não crença, em princípio legítima, um valor mais fundamentalista que as mais fundamentalistas interpretações dos crentes e um conteúdo de ódio e de intolerância próprios da mais horrível mentalidade, seja qual for a escala de valores não fanáticos que se use para a classificar.
 
Porquê? Dir-se-á que o senhor Saramago é, desde sempre, conhecido pelo seu apego a ideias totalitárias e que há quem tenha sofrido na carne os brutais efeitos da saramagal intolerância. Dir-se-á, com inteira propriedade, que o senhor Saramago é, desde sempre, uma espécie de dono de uma verdade, a sua, que, por definição por ele achada, vale muito mais que as dos outros.
Nada a estranhar, concluir-se-á, nas ora particularmente descabeladas diatribes do homem.       
 
O Irritado arrisca, porém, uma interpretação algo diferente do que seria de esperar.
 
Saramago está às portas da morte.
Amanhã? Daqui a cinco anos? É normal. Que outra coisa poderemos esperar aos oitenta e tal anos e num evidente estado de decrepitude física?
 
Diferente é a postura de cada um na antevisão de tão inelutável acontecimento.
Uns dirão que os espera outra vida ou a continuação desta noutros moldes e que, ainda que seja doloroso deixar de viver a vida como a conhecem, é consolador ter a certeza moral que a morte não será o fim.
Outros pensarão que a morte outra coisa não é senão voltar ao momento anterior ao nascimento, isto é, ao não-ser, o que, em princípio, não causa sofrimento, pela simples razão que, por morte, deixa de haver sujeito para tal.
Numa terceira categria estarão os seres humanos que acham que morrer é morrer mesmo, mas que não são capazes, nem de aceitar com naturalidade que são, como todos os seres, fugazes, nem de recorrer à fé religiosa para amenizar o desespero que tal fugacidade provoca.
Por isso, desesperam.
É o caso. Saramago está aterrorizado com a sua próxima morte. Como não consegue superar o seu temor, como, convencido que é um ser superior que tem a dizer de sua justiça às massas ignaras, não é capaz de aceitar ter que se ir embora como um cão. Então, servido pelo seu profundo ódio a tudo o que não aceita, faz o que se chama a fuga em frente: lança, raivoso por impotente, os seus anátemas sobre o que mais odeia, que é aquilo em que gostava desesperadamente de acreditar.
Talvez na inconsciente ilusão de, à hora da morte, ainda ter alguma coisa que o salve. Talvez porque, afinal, lhe reste alguma sombra da humanidade que há muito assassinou dentro de si com as armas da mais petulante das intolerâncias.
 
20.10.09
 
António Borges de Carvalho
 

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