POLITIZAÇÃO DA JUSTIÇA OU JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA
Andam para aí bastas almas, animadas de fervor socialista e de moral republicana, a acusar estes e aqueles de querer politizar a Justiça, isto é, de tirar efeitos políticos do que se diz e escreve, quando o que se diz e escreve, dito e escrito por razões políticas, tem relação com ou origem em processos judiciais.
Debita tal gentalha que está em causa o Estado de Direito, as liberdades e garantias dos cidadãos, o respeito pela Lei e pela Justiça, o segredo de justiça, a própria democracia, o diabo a quatro. Por isso, propalam haver uma “campanha negra” pelo país fora, instigada por “forças ocultas” que se dedicam à “espionagem política” e que têm por objectivo injuriar o primeiro-ministro, impoluto cidadão e honestíssimo político, tão impoluto e tão honesto que, à la limite e no auge da paranóia, se trata, na opinião do bastonário dos advogados, de um cidadão que “foi eleito duas vezes”!!!
A “campanha”, com simultâneo eco em todos os jornais, todas as televisões, todas as rádios e todas as conversas, é um quebra-cabeças para a gentalha. Não se pode fazer a todos o mesmo que se fez à Manuela e ao José Manuel. Impraticável. Também não há ambiente para fazer como é costume do camarada Chávez, embora as “forças ocultas” achem que, neste como noutros campos, o camarada Chávez já tenha dado muitos e bons conselhos ao primeiro-ministro.
Assim, a gentalha dedica-se a procurar outras formas de resolver o problema mais recente, já que a outra dúzia está, ou esquecida ou relegada para um limbo qualquer, mercê das diligências da gentalha. Os ingleses, por exemplo, fizeram o favor de queimar, num bem sucedido incêndio, os vestígios fosse do que fosse, o que, do ponto de vista tecnológico, é uma solução notável. Sem mais papéis para consultar, os tipos da “campanha negra” lá do sítio viram-se na contingência de arquivar o que já tinham feito. Por cá, no caso das escutas, havia que arranjar solução paralela. Como é difícil deitar fogo à Judiciária, aos procuradores da república, ao jornais, às televisões e ao povo, o primeiro-ministro viu-se obrigado a recorrer a meios mais “democráticos". Começou por manifestar a sua indignação com o que se estava a passar, exigindo das autoridades judiciais que lhe dissessem – repita-se, lhe dissessem, não que tornassem público o que as gravações diziam. Depois, declarou que nada sabia, "oficialmente" ou por "informação prévia", sobre o caso PT/TVI.
Entretanto, o pessoal assistiu, atónito, a uma patética guerra entre o PGR e o PSTJ. O primeiro queria, ou dizia que queria, tornar pública toda a história, acto eminentemente cívico e única forma de respeitar o povo. O segundo insinuava uma data de coisas, baralhava o caso com histórias técnicas para insinuar a incompetência dos serviços do outro. Depois de uns dias de miserável pingue-pongue, o segundo comunicou ao primeiro que tinha mandado destruir as provas, fossem elas do que fossem, e o primeiro comunicou ao povo que, por intervenção do segundo, o povo jamais viria a saber fosse o que fosse.
A manter-se a situação neste pé, far-se-á a vontade à gentalha, não tendo o povo oportunidade de saber se aquilo de que suspeita é verdade ou mentira. O povo, no meio disto tudo, não passa, mais uma vez, de uma coisa estúpida que se manipula consoante convém.
Como parêntesis, analise-se o que disse o primeiro-ministro:
a) Que queria saber de que meios dispunha a Justiça, isto é, queria saber em primeira mão o conteúdo das gravações, obviamente para poder ajuizar se era de “deixar” que viesse a lume ou não;
b) Que não sabia do caso PT/TVI, porque não tinha disso tido “conhecimento oficial” ou “informação prévia”. Veja-se o cuidado da linguagem, o qual a outra coisa não corresponde senão à confissão de ter falado sobre o assunto com o camarada Vara, portanto tido conhecimento da coisa por outra via que não o “conhecimento oficial”, que não a “informação prévia”, portanto que, à altura estava, todo contente com a coisa, e sobretudo por poder alegar que nada sabia, sabendo tudo. Portanto, mentiu ao Parlamento, como alega o “Sol” e, no fundo, qualquer pessoa medianamente inteligente sabe de ciência certa.
A ordem do PSTJ tem o efeito do incêndio inglês: sepultar a verdade, seja ela qual for. Q.E.D.
O que se passou não foi a judicialização da Política, mas a auto-politização da Justiça. A Justiça tomou a decisão de destruir os elementos que julgou improcedentes, mas que tinham uma gigantesca importância política, ou seja, tomou a decisão política de sonegar ao povo o conhecimento de factos que o povo tinha todo o direito de conhecer, porque fundamentais para a informação e a transparência a que tem direito.
Mais uma vitória política da gentalha, desta vez pela mão de um altíssimo responsável da Justiça.
Já pensaram que, se as gravações nada tivessem de politicamente relevante, seria o primeiro-ministro o primeiro a pedir que se tornassem públicas? Não se mete pelos olhos dentro?
15.11.09
António Borges de Carvalho
E.T. O “Expresso da meia-noite” da última 6ª feira foi um exemplo de como os media podem contribuir para a judicialização da política. Com toda a certeza, foi concebido e realizado para distrair as pessoas do cerne do problema da “Face Oculta”. Envolveu uma série de sujeitos apostados em “explicar” às pessoas que o que está em causa é o funcionamento da Justiça, é saber quem deve ou não deve dirigir as investigações, ajuizar do que deve ser os papel dos media nestes momentos (o representante dos media era nem mais nem menos que um tipo do “Diário de Notícias”, conhecido trombone do governo e propriedade do “amigo Oliveira”), bem como outras questões laterais que as agências por conta do PS têm vindo a atirar à cara das pessoas com o nobre objectivo de encanar a perna à rã.