QUAL É O PROBLEMA?
Afinal, qual é o problema?
Na cabeça das pessoas, o problema é haver um primeiro-ministro que, provadamente:
- assinou projectos inacreditáveis, os quais, se eram de sua autoria, são uma vergonha, se não eram são outra;
- tirou um curso à la manière;
- adjudicou um concurso, hoje em julgamento nos tribunais criminais, ao fulano que lhe tinha “propiciado” tal curso;
- comprou um andar por um preço estranhíssimo;
- autorizou, após reunião com os promotores, um investimento em que as suspeitas são mais que muitas, quer o envolvam quer não;
- manteve conversas telefónicas com um suspeito de crime de corrupção, e que tais conversas, para os investigadores, oficialmente, contêm sinais de crime de atentado contra o Estado de Direito;
- … chega. Há mais, mas já chega.
É assim que as pessoas, adeptas ou não do primeiro-ministro ou do seu partido, põem a questão. Questão que não é a de saber se o primeiro-ministro cometeu algum crime ou não cometeu crime nenhum, mas sim a de saber se um cidadão com a colossal “agenda” de rabos de rabos de palha e de esqueletos no armário, pode, num país civilizado, num Estado de Direito, numa democracia liberal, no Ocidente europeu, ser primeiro-ministro.
As pessoas sabem que não pode, não deve, que tem que se ir embora, que já devia há anos, há anos devia ter dado outro rumo à sua vidinha.
As pessoas sabem que o primeiro-ministro não tem, minimamente, o perfil (chamemos-lhe assim) para ocupar o cargo que ocupa, sem grave ofensa à dignidade dos cidadãos e do país.
As pessoas percebem que não há “campanhas negras”, mas processos administrativos e judiciais.
As pessoas percebem que não há “forças ocultas”, mas pecados e pecadilhos que nunca foram desmentidos, uns, ou julgados, todos.
As pessoas percebem que não há “espionagem política” mas legítimos inquéritos judiciais.
As pessoas vêm que não há “assassinatos de carácter”, e sabem que, em questões de carácter, é o próprio primeiro-ministro que a si mesmo prejudica, e não terceiros.
As pessoas sabem que a imprensa é o que é, às vezes muito má, mas que as notícias são notícias e que a esmagadora maioria das notícias que têm aparecido e que afectam o primeiro-ministro são verdadeiras.
Todas as pessoas? Não! Qual serôdio Abraracourcix, Mário Soares não está com elas. Não pensa como elas. Os romanos são doidos!
Escreve o senhor que o problema é, quase em exclusivo, o de haver uns canalhas que não respeitam o sacrossanto “segredo de justiça”, isto é, se nada saltasse nada cá para fora não havia problema nenhum.
Os delatores, os que passam informações, os jornalistas que as publicam, tudo não passa de um bando apostado em “julgar as pessoas na praça pública”, assim criando um problema que, sem informação, não existia. Bandidos!
A polícia Judiciária e o Ministério Público, cheios de curioso espírito inventivo, investigam coisas que, sem excepção, ficam em águas de bacalhau. Face oculta parece ser… a da Justiça. Destes departamentos da Justiça vêm as “fugas” do tal segredo organizadas estrategicamente, em momentos específicos (quem o ler há-de pensar que a “Face oculta” foi lançada antes das eleições…), para desprestigiar a Justiça (e as pessoas a julgar que o que desprestigia a Justiça são as tricas entre o PGR e o PSTJ!), e certos políticos, para enfraquecer e desacreditar o sistema democrático, em que alguns outros políticos inconscientemente se intrometem, com fins imediatistas e oportunistas, tentando visar os seus adversários de momento.
Quer dizer, no douto parecer do Dr. Mário Soares, o que desprestigia o sistema democrático e seus agentes não são os esqueletos do armário do senhor primeiro-ministro, são os comentadores, são vozes escolhidas a dedo, são os tipos das “fugas” e os adversários políticos.
E as pessoas a pensar que os adversários políticos do primeiro-ministro têm tido posições escandalosamente soft em relação às asneiras do primeiro-ministro! Burras!
O Dr. Soares acha que não devia haver segredo de justiça. Mas revolta-se contra o que se sabe do segredo que há, isto é, da forma muito corrente de denegrir a honra de figuras públicas, que ainda por cima não têm como se defender! Vá-se lá perceber a lógica de pensamento do senhor.
O Dr. Soares acha que os julgamentos na praça pública constituem verdadeiros assassínios morais e políticos de homens públicos sem provas nem julgamentos. Esquece que os julgamentos políticos não têm a ver com provas nem com julgamentos judiciais. Têm a ver com o merecimento político de cada um. Não há, como dizem para aí os socialistas, julgamentos de carácter (morais e políticos, na expressão do Dr. Soares). Quando muito, no caso vertente, haverá um suicídio de carácter, se é que o primeiro-ministro tem carácter para “suicidar”.
Facto é que, se o primeiro-ministro, se tivesse a certeza de não ter, nos telefonemas escutados, dito nada que lhe pudesse ser assacado, pediria ao PGR que os tornasse públicos, não que lhos facultasse só a ele. Não é?
O Dr, Soares não quer perceber, por inultrapassável handicap partidário, que é muito mais importante para as pessoas e para o país saber que primeiro-ministro têm, do que ver na choça o sucateiro e os seus “sócios”. Isto sim, é um caso para a Justiça. Aquilo, é um caso meramente político, sobre o qual os cidadãos têm o sagrado direito de ser informados, para que possam tomar as atitudes políticas que muito bem entendam.
19.11.09
António Borges de Carvalho