INGOVERNABILIDADE
Desde que Pinto de Sousa tomou posse pela primeira vez, o país deixou de ser governado.
Os resultados estão à vista. E ainda estamos muito longe do pior.
O governo passou a ser uma máquina de propaganda do partido socialista, a administração pública transformou-se numa fábrica de mentiras usada pelo governo em cerimónias (quantas vezes várias para a mesma coisa) de apresentação disto e daquilo, quer houvesse ou não a intenção ou a possibilidade de fazer o que se anunciava. As finanças públicas passaram a ser alimentadas por impostos acrescidos e excessivos, as receitas usadas em reformas xoxas, em pagamentos a novas “entidades”, “autoridades”, “fundações”, numa loucura de disfarces para o aumento do número de funcionários ao serviço do governo e do partido. As despesas mais violentas (olhem as estradas!) foram desorçamentadas para libertar as contas públicas de alcavalas e arranjar mais dinheiro para a propaganda. O famoso equilíbrio orçamental, baseado na mais hedionda falsidade, foi um fogacho que muito custou a muita gente, não ao governo. Os funcionários que usaram a liberdade que pensavam ter para criticar o governo foram castigados. Os empresários desalinhados sofreram as consequências da sua independência política. As empresas mais ou menos públicas passaram a servir o governo em vez dos interesses dos accionistas. A informação demasiado incómoda foi calada.
Por estas razões e muitas mais, quando hoje se fala de “ingovernabilidade” está a falar-se de uma espécie de continuidade socialista.
Só que, até às últimas eleições, o país não era governado porque o governo, sem desculpa, não governava. Agora, segundo diz o poder, não será governado porque o PS é bom e os outros são maus para ele, coitadinho.
Quando o ministro das finanças, que tinha proclamado que o código contributivo não aumentava os impostos, veio dizer que, sem código contributivo, o estado ia perder uma data de milhões, declarou com todas as letras que o governo continua tão aldrabão como sempre foi. De onde vinham os milhões que o estado perdeu quando o código foi chumbado? Da árvore das patacas? Ou dos bolsos de cada um? Se não provinha de impostos, donde vinha?
Mas o ministro das finanças disse mais. Que “assim não pode ser”, coisa que não pode ser interpretada de outra maneira senão como o abrir de uma porta para, ou o governo ou o ministro, se ir embora. Sendo a culpa, é evidente, de terceiros.
Depois, foi o que se viu. Na senda das “intrigas”, das “fugas de informação”, das “cabalas”, das “perseguições”, das ”forças ocultas”, das “campanhas negras”, o governo encontra na sua própria vitimização a razão de ser de todos os males deste mundo. Se há ingovernabilidade, a culpa é da oposição. O governo, santa alma, está “aberto a negociar" com todos.
Esta mentirosíssima vontade de abertura começou com a célebre ronda de audiências que o senhor Pinto de Sousa “concedeu” aos partidos políticos logo a seguir às eleições. Quando o senhor Pinto de Sousa se “oferece” para governar com o PC ou com o CDS, com o BE ou com o PSD, com a direita ou com a esquerda, ou com uma omeleta de direita com queijo de esquerda, ou vice versa, tanto faz, o que está o governo a dizer?
Que, ou só tem trampa dentro da cabeça, ou está a gozar com o pagode ou - será o caso - a preparar desculpas de mau pagador para o que der e vier, coisa em que é conceituado especialista.
O que jamais se poderá dizer com verdade é que o senhor Pinto de Sousa, ao fazer as tais reuniões, tinha qualquer objectivo de “governabilidade”. Aliás, ao mesmo tempo que as fazia, cá por fora a alcateia gritava que o governo tinha que governar com o programa do partido, não com os das oposições.
Ou seja Pinto de Sousa e o PS nunca quiseram aliados, propunham-se contratar criados, subordinados, factota, que os ajudassem a cumprir o programa deles.
Mais uma vez, o senhor Pinto de Sousa não se abriu a acordo nenhum, nunca o quis, o que fez foi chantagem com os outros, na esperança de, lançado o medo de uma crise política que ninguém quererá, continuar a (des)governar como até aqui.
Os governos de coligação são o pão-nosso de cada dia na maioria dos estados da chamada Europa. Os noruegueses, os holandeses, os belgas, por exemplo, nem se lembram de algum governo de maioria absoluta de um só partido, ou nem sabem o que isso é. E, nos países citados como noutros, nem sequer há essa coisa extraordinária que é o semi-presidencialismo à portuguesa. São, felizmente para eles, Monarquias Constitucionais. Não têm um Messias em Belém para servir de bode expiatório em caso de necessidade. Os partidos sabem que virão a governar em coligação quer queiram quer não. Sabem que os seus programas serão condicionados pelos daqueles com que se coligam para governar. Sabem que não pode ser de outra maneira.
Mas o senhor Pinto de Sousa não sabe nada que não seja ver-se ao espelho e achar-se uma tara. Não passa, no fim de contas, de um Quasimodo mental, um primitivo que nunca leu um livro nem fala francês. Só “inglês técnico”, e mal.
Ser-lhe-ia fácil, facílimo, fazer duas ou três coligações com partidos com ideias e projectos democráticos: PS/CDS, PS/PSD, PS/PSD/CDS. Pelo menos com o CDS, que não tem, ou ainda não tem, pretensões de alternativa, bastava acertar algumas regras programáticas, cedendo, é certo em várias matérias. Mas o que é uma coligação senão isso mesmo?
O senhor Pinto de Sousa não quer nada disso. Quer o poder todo. Todo. Como sabe que, assim, não vai lá, tratará de provocar eleições antecipadas enquanto o PSD não se reorganiza ou não ganha juízo, a fim de, em nome da governabilidade, ir buscar uma mão-cheia de votos à esquerda e outra ao PSD.
Em alternativa, é evidente que o senhor Pinto de Sousa está à espera que o Presidente da República se meta ao barulho, ou seja, meta a pata na poça de tal maneira que desapareça, do mar da nossa vida política, o último escolho em que, frouxa e duvidosamente, ainda pode haver algum resquício de salvação para os náufragos que continuam a não querer pertencer à medonha família do socialismo.
O resto é conversa.
16.12.09
António Borges de Carvalho