BIRRAS E ALDRABICES
As recorrentes birras da clique “governante”, seja contra a oposição seja contra o Presidente da República, evidentemente instigadas e elogiados os seus actores pelo primeiro-ministro, pedem uma pequena reflexão sobre a leitura que deve, ou devia ter sido feita dos resultados eleitorais.
Pela primeira vez na III República, um primeiro-ministro no poder perde a maioria absoluta de que dispunha.
Desta realidade, o primeiro-ministro e o seu partido extraem duas leituras opostas:
Na primeira, o primeiro-ministro e o PS trataram de comunicar à Pátria a estrondosa vitória eleitoral que tiveram, e a sua intacta legitimidade para governar;
Na segunda, o líder do PS, generosamente, informou que ia “consultar” os partidos parlamentares, a fim de saber das possibilidades de cooperação que teria com cada um deles.
Por um lado, a afirmação da “totalidade” do poder e da legitimidade. Por outro, o aparente reconhecimento de que as coisas tinham mudado.
É evidente que a segunda leitura, como está provado, não passou de teatro, em que o primeiro-ministro usou os partidos como marionetas, na exclusiva intenção de vir a assacar-lhes a culpa de não haver, da parte deles, qualquer “abertura”.
O primeiro-ministro que, acima e para além de tudo, é um primitivo sedento de poder, julgou que os partidos e o eleitorado iriam “compreender” a sua “recta” intenção. Desde a primeira hora, há cinco infelizes anos, que este homem parece achar que os demais são parvos, tratando-os como tal.
Leiamos nós, sinteticamente, os resultados das legislativas:
- Todos os partidos cresceram, à excepção do PS, que encolheu;
- Dos partidos da oposição, dois há que fariam maioria absoluta com o PS - o PPD/PSD e o CDS-PP.
Isto quer dizer, em termos de democracia representativa:
- Que os eleitores estavam fartos de ver o PS a governar sozinho
- Que os eleitores apontavam, claramente, os partidos com quem o PS devia negociar uma solução de governo.
Isto é tão evidente que não pode ser objecto de discussão. Se o PS quisesse encontrar uma solução estável ou, pelo menos, que garantisse a tão proclamada “governabilidade”*, o que tinha que fazer era ler o que nas urnas foi escrito.
Mas não o quis fazer. Com a óbvia, estulta, estúpida e pouco democrática intenção de guardar o poder só para si, fabricou a comédia das “audições” aos demais, como se não soubesse que o acordo com uns seria impeditivo do acordo com outros.
Conseguiu o seu estúpido objectivo: governa sozinho. Na claríssima intenção de vir a vitimizar-se se as coisas lhe não correrem de feição. Pondo as culpas, como faz imparavelmente desde o primeiro dia, seja aos demais, seja, qual cereja em cima do bolo dos coitadinhos, ao Presidente da República.
O problema é que as aldrabices, manipulações e acusações do primeiro-ministro e dos demagogos de serviço não são problema deles, que não têm consciência democrática, nem sentido de Estado, nem respeito pelos outros. É de todos nós, mergulhados que estamos, como nunca, no plano inclinado da miséria, da insolvência, da ausência de liberdade. E sem saber como se sai disto. Só sabemos que, com esta gente, não saímos.
29.12.09
António Borges de Carvalho
* Neologismo inventado pelo PS.