QUANDO A LEI NÃO INTERESSA
O IRRITADO teve ocasião de, por diversas vezes criticar, tanto a desastrada nacionalização do BPN como a não menos idiota intervenção do Estado no BPP. Duas caríssimas decisões do governo, tendo o primeiro-ministro o ministro das finanças como cabeças de cartaz. O desenrolar dos acontecimentos merece mais algumas considerações.
Os milhares de milhões que estas duas alarvidades já custaram ao povo português nunca foram contabilizados fosse por quem fosse, se é que são contabilizáveis. Nem o espantoso Banco de Portugal se preocupa com o assunto, nem o Tribunal de Contas se interessa, se é que tem ou pode assumir competência para tal. O governo, por seu lado, ou não responde ao que se lhe pergunta, ou mete os pés pelas mãos, permanentemente convencido que as pessoas são parvas ou que é capaz de as fazer passar por tal.
Do que se sabe, tudo não passa da mais tremenda incompetência nem da mais radical falta de respeito pelos donos do dinheiro, que são os contribuintes.
Por exemplo, já se chegou à conclusão que os 600 milhões de “património” que “garantiam” a primeira injecção de dinheiro no BPP (450 milhões), não passam, afinal, de 150, ou coisa que o valha. O que se sabe é que quem aceitou o valor de 600 milhões foi o Estado, e quem o reduziu a um quarto foi quem tem credenciais para fazer avaliações.
Os autores das brilhantes contas que o Estado fez coisa não se acusam, não pedem desculpa, não se arrependem, não são chamados à pedra e, se formos à procura deles, certamente terão deixado de existir. O verdadeiro culpado, o governo, esse considera-se acima de todas as críticas, proclama que os outros é que são maus e insiste na asneira, numa fuga em frente politicamente criminosa.
Do BPN, ao certo, ninguém sabe nada. Ao incerto sabe-se que a CGD, ou seja, o Estado, ou seja, o povo, já lá enterrou uns milhares de milhões, talvez uns três mil. O BPN foi nacionalizado, mas ninguém sabe como nem porquê, nem se os accionistas foram indemnizados, nem por quanto, nem ao certo de quem é o banco hoje em dia, nem quanto vale, se vale, nem quanto deve, se deve, nem a quem, nem nada.
O BPP e o BPN foram utilizados pelo poder e seus acólitos para, sob anobre batuta do Dr. Soares (coitado) zurzir o capitalismo em geral e o chamado neo-liberalismo em particular, “a economia de casino” e uma série de “suspeitos do costume”, todos privados, deixando de fora as entidades públicas envolvidas no assunto por acção ou omissão, a começar pelo Banco de Portugal, tão culpado de “não ver” o que os outros faziam como estes de ter feito o que fizeram.
As cartas foram víciosamente baralhadas a favor do poder socialista. As culpas são do sistema liberal, os culpados não são burlões nem maus gestores, são filhos do sistema, filhos de mau pai e de má mãe. Na sua expressão mais rasca, largamente insinuada pelos estrategas do poder, o culpado é o… PSD!
Procurando esquecer esta última “interpretação” que, de tão porca, outra coisa não merece, vejamos o que o tal negregado sistema previu para estes casos, em duas vertentes.
A primeira, prevê que os culpados das fraudes de que se fala sejam punidos, coisa que parece não ser do agrado, nem das autoridades políticas nem das judiciais. Tudo vai ser tão complicado e tão arrastado no tempo que, quando se chegar a um veredicto, se o vier a haver, ou não haverá culpados ou o assunto já não interessa a ninguém nem tem qualquer efeito prático. Esta primeira “arma” do sistema liberal não vai, por isso, ser usada. Já não foi.
A segunda “arma” do sistema chama-se insolvência, falência, bancarrota. Quando os bancos deixam, sem solução à vista, de poder solver os seus compromissos, vão à falência, tendo os credores e os depositantes direito à divisão equitativa da massa falida, se a houver para dividir.
Uma lei, que em Portugal existe como na generalidade dos países civilizados, prevê a existência de um fundo de garantia destinado a ressarcir, dentro de certos limites, os clientes dos bancos falidos sem ter que esperar para saber se, aos activos existentes, é possível ir buscar seja o que for.
Mas esta lei não foi aplicada. O Estado foi capaz de gastar milhares de milhões para talvez vir a aguentar um banco (o BPN), mais umas centenas de milhões para talvez vir a segurar outro (o BPP), sendo que, naquele, o erário público se depauperou brutalmente e, neste, os clientes são quem está a pagar o socialismo. Se protestam, manda-se lá a polícia. Com uns empurrões e umas mocadas fica a questão resolvida. Aplicar a lei é que não. Trata-se de uma lei capitalista e liberal.
Verdade é que, com ficou dito, o terrível liberalismo teria (tem) em si mesmo as leis que resolvem, dolorosamente, é certo, este tipo de problemas. O socialismo não tem solução para nada que não seja fazer demagogia com o dinheiro que os eleitores lhe confiaram para gerir.
Às vezes, mesmo dentro de uma família unida, torna-se legítimo interditar quem malbarata os seus bens, por incompetência, por incapacidade intelectual, por manifesta desonestidade.
Ao nível do (nosso) Estado, porém, normas normas destas se não aplicam. Podem os políticos ser à vontade incompetentes, incapazes ou desonestos - uma das três, duas das três ou três das três - que podem continuar a fazer as asneiras que lhes vierem à cabeça sem que nada nem ninguém lhes caia em cima.
3.1.10
António Borges de Carvalho