31 DE JANEIRO
Em 31 de Janeiro de 1892, a republicanite aguda que, por mimetismo francófilo, se espalhava em certos meios intelectuais e tinha adeptos na pequena burguesia urbana e nas Forças Armadas, decidiu que a culpa da cedência ao ultimato inglês nada tinha a ver com a política europeia em relação às colónias, nem com as exigências da potência marítima universal que era o Reino Unido. Tratava-se de "crime de lesa Pátria", atribuível, em exclusivo, a uma pessoa, o Senhor Dom Carlos, e a um regime, a Monarquia Constitucional.
Excitados por sentimentos nacionalistas e coloniais que fariam Salazar roer-se de inveja, houve uns tipos, uns heróis, dirão os alegres, os soares e o GOL, que fizeram uma arruaça no Porto com o fim de implantar a República.
O Senhor Dom Carlos, a quem qualquer historiador isento atribui qualidades diplomáticas de excepção, era o bode expiatório do republicanismo nascente. De tal forma que acabaria por ser barbaramente assassinado. Assassínio que, na historiografia alegrista, soarista e GOLista, é um acto nobre, fundador dessa coisa a que chamam república. Pois é. Um acto de moral republicana.
A República (a do 5 de Outubro) foi um regime miserável, confuso, disfuncional, persecutório, intolerante, colonial, baseado em ódios mesquinhos, caldeado em perseguições, repressão, assassínios, prisões, deportações, garrote do sindicalismo e pasto de bandos armados e de máfias secretas, alimentado pelo terrorismo bombista e pela intimidação sectária, tudo isto com base “democrática”, entendida a democracia como o triunfo do caciquismo, das chapeladas, das fraudes e da mais infrene sanha pela conquista do poder.
A República (a do 28 de Maio), a que os alegres, os soares e o GOL recusam o nome apesar de jamais ter sido outra coisa, mais não foi que a consequência directa, inevitável, fatal, a filha natural da do 5 de Outubro. O país reorganizou-se, tendo como base a autoridade autoritária e policial de um regime que adoptou como filosofia a “apagada e vil tristeza” do poeta, a modéstia dos conventos, o isolamento dos ilhéus, que conseguiu a “paz” civil através da polícia, no fundo o mesmo processo da do 5 de Outubro, mas sem roupagem democrática e com maior sucesso. A República do 28 de Maio seguiu, com empenho e eficácia, as teses coloniais da do 5 de Outubro, que acabariam por ter o triste fim que tiveram.
Neste aspecto, em mais uma das nobres atitudes que os caracterizam, os seguidores do 5 de Outubro viraram o bico ao prego e passaram a ser ferozmente anti-coloniais, o que quer dizer que, quando se trata de abater o inimigo e conquistar o poder, qualquer coisa serve, nem que seja trair o pai.
A República do 25 de Abril ou, mais propriamente, do 25 de Novembro, é o que está à vista. Um regime que teria condições para, finalmente, funcionar a contento e em liberdade, não fora o pecado original do socialismo constitucional, não fora ter adoptado uma articulação de poderes que não é carne nem peixe, não fora ter deseducado as pessoas no que às suas obrigações cívicas diz respeito.
Não pode haver maior vergonha para o país que esta história de comemorar a República.
Repare-se que, ao contrário do que sucede em países que têm alguma admiração patriótica pelas instituições, não houve em Portugal o mais leve bulir da sociedade civil a este respeito. Não houve cidadãos, nem empresas, nem instituições (à excepção do GOL), nem universidades, nem nada, que, espontaneamente, se interessasse pela coisa, não houve uma subscrição, um abaixo-assinado, nada que revelasse empenho da sociedade civil em tais comemorações.
Trata-se de iniciativa meramente oficial, como se o povo, apesar de “injectado” com as mais diversas e despudoradas aldrabices históricas, tivesse, no fundo da consciência, a certeza de que a República jamais o serviu.
Trata-se de coisa financiada com dez milhões de euros do dinheirinho dos nossos impostos, sem um chavo proveniente de voluntarismo social.
Trata-se de comemorações que nada têm a ver com o país, a não ser na medida em que o prejudicam.
Prejudicam mais do que financeiramente. Não vai ser só o prejuízo de sermos matraqueados durante um ano inteiro com sessões solenes, paradas, visitas dos alegres à campa do Buíça e demais vergonhosas patacoadas do género.
Imaginando o que vai ser, nas escolas, a propaganda do alegrismo/soarismo/golismo, pode perceber-se o monumental rombo moral e educacional que vamos ter na nossa já tão confusa e mal educada juventude.
31.1.10
António Borges de Carvalho