INÊS DE MEDEIROS
Excelentíssima Senhora Deputada Dona Inês de Medeiros
Tenho observado a forma, recheada de aristocrática nonchallence, com que Vossa Excelência se dirige aos seus pares.
Tenho visto seu sorriso blasé e um pouco trocista, modo de estar por certo obtido em íntimo contacto com a sociedade bêcêbêgê (bon chic bon genre, para o portuga ignaro) da cidade capital da snobeira e da antipatia, excelsas qualidades que a Vossa Excelência por certo não faltam.
Tenho visto a estrutura do seu superior discurso, e o conteúdo, inútil mas afirmativo, das perguntas que Vossa Excelência, dos cumes da sua gaulesa superioridade, dirige aos ignorantes da oposição, em manifestação clara da sua indesmentível fidelidade ao chefe, faça o chefe o que fizer.
Madame De Mêdêirross
Mau grado as minhas declarações supra, venho por esta forma manifestar a Vossa Excelência a minha solidariedade em relação ao problema que, publicamente, a vem afligindo, bem como a altas figuras do Estado, v.g. Sua Excelência o deputado Lelo, Presidente do Conselho de administração da Assembleia Nacional, perdão, da república, por obra do amor do chefe à promoção de idiotas chapados.
Exige Vossa Excelência, com carradas de razão, que lhe sejam pagas pelo povo português viagens semanais à cidade da luz, luz que, sem a presença de Vossa Excelência, poderá, que horror, perder intensidade.
Acho muito bem. Pois se os tipos de Bragança têm viagens semanais à parvónia pagas pelo povo, injusto seria que Vossa Excelência impedida ficasse de iluminar as almas da pátria de Victor Hugo e de Voltaire, mãe das repúblicas modernas, farol de cultura e de bom gosto.
Acho muito bem. Tem Vossa Excelência, além disso, toda a razão em achar que lhe devem ser atribuídos pelo povo português bilhetes semanais Lisboa/Paris/Lisboa, de primeira classe, no valor de 1.200 euros cada.
Debate-se Vossa Excelência, bem como o poderoso Lelo, com entraves burocráticos. Diz a burocracia que, se foi eleita por Lisboa, se declarou residir na Freguesia de Santa Isabel, não tem direito a mais que um bilhete de autocarro para ir do Rato à Assembleia e da Assembleia ao Rato. Une abominable connerie! Além disso, o que são uns míseros cinco mil euros por mês comparados com a honra de desfrutar da ilustre presença de Vossa Excelência entre nós, nos dias úteis que seja?
Permita-me Vossa Excelência que lhe dê uma dica destinada a resolver o seu problema. É este o objecto da presente.
Sabe, eu vou a Paris umas duas ou três vezes por ano. Não me passa pela cabeça pagar mais de 160 euros por cada viagem, isto sem precisar, sequer, de recorrer às companhias low cost.
Eu sei, eu sei que tudo o que seja menos que classe executiva é pouco para a altíssima dignidade da insigne figura que Vossa Excelência é. Mas permito-me sugerir, arriscando ofender Vossa Excelência, que talvez fosse de aceitar umas reservitas nas low cost, pela internet, facílimas de obter a prazo, e baratíssimas, uma vez que V.Exª sabe quando vai viajar. Talvez isto pudesse contribuir para resolver o seu problema bem como o do seu camarada Lelo, cujas meninges devem ter altas dificuldades para discernir uma solução.
Olhe que saía mais barato que as viagens dos tipos de Bragança!
Além disso, há por aí uns fulanos – da oposição, é claro – que dizem ser de uma estupidez sem nome gastar uma fortuna para uma viagem de duas horas, a troco de um assento menos incómodo.
Eu sei que o socialismo tem por norma tratar principescamente os seus apaniguados. Mas se Vossa Excelência tivesse uma atitude democrática e, excepcionalmente, se deixasse viajar com a plebe, que diabo, até lhe ficava bem, era popularucho, e dava votos. Diga isto ao Lelo, que é doido por votos.
Peço as mais humildes desculpas pelo atrevimento que, ao tocar, minimamente que seja, na fímbria dos privilégios de Vossa Excelência, esta carta representa.
Com os desejos de boas viagens, subscreve-se o
IRRITADO
21.2.10
António Borges de Carvalho