DIÁLOGO ENTRE O PODER E O CIDADÃO
- Boa tarde, senhor condutor.
- Boa tarde, senhor guarda.
- Os seus documentos.
- Faça favor.
- Muito bem. Tudo em ordem. Vai ser autuado em 150 euros.
- Quem, eu? Mas porque carga de água?
- Essa expressão não é própria de um condutor bem-educado!
- Ai não? Então diga lá que história é essa!
- Calma. O senhor condutor não me dá ordens!
- Pois pois, diga lá então o que é que eu fiz.
- Olhe, pode escolher. Com uns meros 150 euros pode ser autuado por estacionamento em cima do passeio, falta de documentos, seguro caducado… a não ser que queira coisa mais sonora… mas nessa altura é mais caro, e pode ficar sem carta.
- Deve estar mas é a gozar comigo!
- Nem por sombras, senhor condutor, estou a cumprir ordens.
- Ordens?
- Sim senhor, ordens do governo.
- Você deve é estar maluco!
- Não é você, é o senhor! É a terceira vez que lhe digo para não faltar ao respeito à autoridade!
- Bom, ‘tá bem. Explique-se lá.
- Então o senhor não sabe que, para sair da crise é preciso produtividade?
- Produtividade?
- Sim senhor, produtividade. São ordens do governo.
- Mas como é que isso funciona?
- Não sei lá muito bem. O que sei é que, ou passo mais três multas hoje ou não cumpro os objectivos, está a perceber?
- Não tenho nada a ver com os seus objectivos!
- Ai tem, tem! Todos os cidadãos são obrigados a cooperar na produtividade! Aliás, com a sua idade deve lembrar-se da batalha da produção do Vasco Gonçalves… já tem experiência, não é?
- Quer dizer que voltámos ao comunismo?
- Isso não sei. Basta de conversas. São só 150 euros, senhor condutor. Paga, ou quer ir de cana, ficar sem o carro e sem a carta? Isto, enquanto a recusa de cooperar na batalha da produtividade não for criminalizada. Olhe que já há um projecto de lei do BE e do PC cobre a matéria. O PS vai votar a favor.
- OK, pronto, desisto. Passe lá a multa.
- Ora assim é que é falar! Se quiser, pode reclamar, mas desde já o aviso que as reclamações nunca dão nada. A minha palavra vale mais que a sua, é que diz o governo. Vai uma de estacionamento? Pode optar.
- Passe lá o que quiser, que eu tenho mais que fazer.
- Pois é, já calculava. O senhor condutor é um cidadão exemplar.
15.4.10
António Borges de Carvalho