UMA QUESTÃO CULTURAL
Em anúncios de imprensa, vem a Guarda Nacional Republicana informar a plebe sobre as iniciativas que promove, comemorativas dos seus 99 anos e, sobretudo, dos 100 anos de República.
Em 1834/35, o Senhor Dom Pedro IV transformou a Guarda Real de Polícia, fundada por Pina Manique no dealbar do século XIX, em Guarda Municipal, primeiro em Lisboa, depois no Porto.
Imposta a República, o governo provisório tratou de extinguir as Guardas Municipais e, sem mexer noutra coisa que não no nome, transformou-as em Guardas Republicanas. Em 1911, o regime imposto criou a Guarda Nacional Republicana, hoje ainda existente com o mesmo nome, como força militar de polícia e segurança interna.
Há, pela Europa fora, uma série de corpos militares com missões congéneres às da GNR, a Gendarmerie francesa, os Carabinireri italianos, etc. Nenhuma destas forças se chama “republicana”. Para encontrarmos tal designação teremos que ir até ao Irão ou a países de semelhante “calibre” cultural e político.
A substituição da Nação pela República, ou a confusão entre os dois conceitos, é privilégio dos exageros jacobinos da nossa infeliz República. Assim foi na primeira República, na segunda – Salazar foi o grande estabilizador do regime imposto – e na terceira, em que vivemos.
Não é por acaso que a Constituição de 1976 começa com a afirmação “Portugal é uma República”. Não é uma Nação, um país, um Estado.
A História é cultural e conceptualmente pervertida ao definir Portugal desta estúpida forma. Se definir é marcar os limites, pode concluir-se, a partir de tal e tão basilar afirmação, que a fundação de Portugal se deu em… 1910. Pois se Portugal é uma República, o que antes dela havia outra coisa era, que não Portugal.
A ultramontanice dos fundadores da República foi, e continua a ser, repetida com a mesma inferioridade conceptual que chamou à guarda nacional “republicana”, inculcando que lhe cabe defender a segurança da Nação se e quando esta for uma República, tal não lhe cabendo se o não for.
A propaganda da GNR vai, porém, mais fundo. As comemorações destinam-se a sublinhar o papel da GNR no 5 de Outubro (estranhamente porque, em 1910, a GNR não existia!) e no 25 de Abril. Parece que a GNR não existia no 28 de Maio, não teve um papel no 28 de Maio nem durante a segunda República nem foi o braço armado da ditadura republicana do doutor Salazar, que serviu cega e violentamente, sempre que para tal foi chamada pelo poder.
A História, no que à República, de agora e de antes, agrada, não é a História, é uma história que se inventa, ou sublinha, conforme as conveniências do momento.
Misteriosamente, a GNR apaga, ou esconde, pelo menos em termos de propaganda, quase metade do seu passado. Não é por isso que deixa de o ter tido. Culturalmente, esta atitude consubstancia uma inferioridade igual à que consiste em chamar-lhe “republicana”, ou a confundir Portugal com a República.
A importância deste tipo de “cultura” está em que, para o povo em geral e para as novas gerações em particular, se “vende”, sem pudor nem decência intelectual, uma visão oblíqua e retorcida da História, como o fizeram Lenine, Hitler e quejandos.
Quem não tem memória não tem futuro. Quem tem a memória torcida ainda menos.
25.4.10
António Borges de Carvalho