A VERDADEIRA CRISE
Ontem, absorvido em actividades de zapping fui, infelizmente, ter ao canal Parlamento, mais precisamente à comissão de inquérito TVI/PT.
O inquirido era Carlos Barbosa, fundador e ex-proprietário do “Correio da Manhã” (o maior sucesso editorial de sempre), ex-administrador da PT e actual Presidente do ACP.
Encarregava-se do interrogatório, nesse momento, um tal Seabra, deputado do PS, assessorado por uma colega extremamente nervosa e de carão agressivo.
O homem parecia um daqueles advogados que se acham mil furos acima das testemunhas e que se permitem, quantas vezes com apoio do Tribunal, tratar as pessoas como se fossem trampa. O fulano, enquanto a companheira, de olhar furibundo, se retorcia na cadeira, dedicava-se a obrigar o depoente a dizer o que ele queria que dissesse, não o que estava ali para testemunhar.
Em disparatada e ordinária descompostura, o Seabra desvalorizou até abaixo de zero o que o declarante disse, chegando ao ponto de afirmar que não percebia o que lá estava ele a fazer, como se Carlos Barbosa ali estivesse de motu próprio.
Carlos Barbosa estava lá porque tinha sido convocado e, ao contrário do primeiro-ministro, também convocado, não se borrou de medo de lá ir.
A carroceirice do Seabra não valeria um chavo, não fora ser demonstrativa da indecente postura do seu partido a respeito do caso em investigação.
Desde a primeira hora deste caso, como desde a primeira hora de todos os demais rabos de palha que, de há cinco anos a esta parte, têm sido descobertos ao primeiro-ministro, o PS procura, sob a batuta e a caneta de Mário Soares, e, objectivamente, com a cooperação do PGR e do PSTJ, tratar o que é político como se de judicial se tratasse.
Ele é a presunção da inocência, ele é o esperar pelo(s) veredicto(s) final(ais) da Justiça, ele é as “culpas” dos que divulgam o segredo de justiça e a invalidade do que dizem, ele é a ilegalidade das escutas, ele é tudo o que for formal para safar o primeiro-ministro.
A política deixou de existir para esta gente. Agarrados como lapas ao poder, refugiam-se em delongas judiciais em vez de assumir e tratar do que está em causa: o merecimento pessoal do senhor Pinto de Sousa para ocupar o cargo.
A República, cuja dignidade esta gente diz proteger, perdeu toda a dignidade possível aceitando o sapateado do primeiro-ministro, quando, por exemplo, foi provada a forma “expedita” como tirou um curso pirata - não precisa de curso para ser primeiro-ministro, mas precisaria de não ser aldrabão - , coisa que, judicialmente, talvez não seja importante mas que, politicamente, não pode, ou não devia poder ser tolerada.
O senhor Pinto de Sousa, por exemplo (isto também está provado), autorizou um outlet numa zona natural de "protecção especial". Independentemente de ter ou não cometido algum dos crimes do cardápio penal, o seu acto torna-o (devia torná-lo) indigno de ser primeiro-ministro.
E assim por diante, num nunca acabar de casos.
O PS, escondido no biombo judicial, continua a esgrimir com armas que não têm a ver com o caso.
Por exemplo, no caso PT/TVI, não há quem não pense que o primeiro-ministro mentiu ao Parlamento com quantos dentes tinha na boca. É evidente que isto é difícil de provar. Mas, politicamente, ou mentiu, e deve ir para a rua, ou não mentiu e deve ir para a rua na mesma pela simples razão que, neste hipótese, andava a dormir na forma enquanto empresas pelas quais, em nome do Estado, é responsável, andam a fazer negociatas malucas por conta própria, montando os mais rebuscados esquemas, hoje à vista de toda a gente.
O descrédito em que o país caiu é financeiro? Claro que é.
E político, não será?
Que crédito merece um país que todo o mundo sabe ser governado por um troca-tintas megalómano, inculto e palavroso?
Que crédito merece um país onde o governo está nas mãos de um partido cuja principal preocupação é tapar com uma peneira judicial as malfeitorias e as indignidades políticas do chefe?
Este é o fundo da questão. Não se pode confiar num país governado por gente desta.
Se se quiser resolver a crise financeira, é preciso, antes de mais, resolver a questão política. Com PS ou sem PS, mas sempre sem Pinto de Sousa. Era, aliás, a tese da Dona Manuela.
É uma pena ver Passos Coelho malbaratar o seu capital político, a sua margem de manobra, o seu período de graça, ao comprometer-se com o primeiro-ministro, implicitamente aceitando a responsabilidade das loucuras dele, em vez de o denunciar como incapaz, política e moralmente inadequado à posição a que o conduziu uma interpretação forçada do resultado das eleições, estranhamente aceite pelo PR.
Isto causaria instabilidade? Talvez. Mas será, com certeza uma instabilidade menos grave do que aquela, letal, a que o senhor Pinto de Sousa nos conduz.
Não parece que seja de contar com o Presidente da República para nos acudir. Ele nem sequer se importa que, com carradas de razão, se diga que o que o preocupa não é o país, mas as eleições presidenciais.
Parece que também vamos deixar de contar com o PSD. A partir de hoje ou ficará comprometido com as políticas malucas do senhor Pinto de Sousa ou será justamente acusado de ter faltado aos seus compromissos.
O futuro, talvez desde Alcácer-Quibir, nunca se nos apresentou tão negro.
Nem os desmandos da guerra civil, nem o ultimato britânico, nem as criminosas tonterias da primeira República, nem a bancarrota dos anos vinte, nos fizeram a mossa que esta gente nos está a fazer.
28.4.10
António Borges de Carvalho