INÊS DE MEDEIROS VII
O IRRITADO tem muita pena mas não pode deixar de voltar a um assunto de que já está farto, mas que não pára de trazer desenvolvimentos que merecem comentário.
Parece que o CDS vai propor a ilegalização da decisão do Excelentíssimo deputado Lelo, coisa que já tinha sido encorajada pelo Dr. Gama de forma sibilina e inteligente. A vamos o que isto dá.
O IRRITADO, no fundo, acharia que já chega: deixem lá a criatura ir de borla a Paris todos os fins-de-semana! Não chateiem mais com essa porcaria!
Mas não é só o CDS a tomar atitudes.
Do outro lado reage um dos mais notórios demagogos do regime: o senhor Francisco Assis (coitado do São Francisco, onde foi cair o seu nome!), personagem tão palavrosa, vazia e enganadora quanto a do chefe Sousa.
Ele acha que quem não gosta de ver o contribuinte pagar as viagens de Sua Excelência “convive tranquilamente com a desonra”. Não se sabe ao certo o que isto quer dizer. Mas o homem esclarece: quem hesita em aprovar o pagamento das viagens sofre de “cobardia”.
Segundo ele, a impoluta senhora “limitou-se a aceitar um convite do PS” para “integrar as listas”.
Não se sabe se, no contrato de trabalho entre o PS e a senhora, constava o pagamento das viagens.
Certo é que não fazem parte do contrato dos deputados com a Nação.
Sendo assim, a haver um responsável pelo pagamento das viagens, é evidentíssimo que só pode ser o PS, jamais o Parlamento.
O PS tirou o cavalinho da chuva e aproveitou umas ausências dos outros partidos numa reunião qualquer para fazer aprovar um inacreditável parecer jurídico, assim criando o tratamento de excepção de que a Excelentíssima senhora passou a gozar.
Dir-se-ia que, assim passada a borrasca, o PS ficaria muito caladinho. Mas não. A má consciência é de tal ordem que o ilustre Assis vem a terreiro com “justificações” que carecem de umas palavrinhas.
Para ele, a nobre senhora “aceitou participar”, “em nome de causas” (quais?), balizada por um “projecto de esperança” (qual projecto?), trazendo consigo “o seu percurso” (qual?), “as suas propostas” (quais?), a sua vontade (de quê?). A senhora tem “uma história” (qual história?), uma biografia que “tem densidade” (é mais pesada que o azeite?), “e significado” (qual significado?), tem “um percurso” (qual percurso?) “conhecido” (de quem?) e “respeitado” (por quem?).
Acresce que “nunca se furtou a ter uma intervenção clara na vida pública portuguesa” (qual intervenção? Quando? Onde? Como?), “tomou posições, fez opções, disse de que lado estava” (que posições? Que opções? Que lado?), “esteve presente” (onde?), “não desertou” (de que exército, de que guerra?) “nem se escondeu” (de quê, de quem?).
Conheceu-a, “quando ela chegou ao parlamento”(!), e, com extrema lógica, o Assis convidou-a para vice-presidente! Certamente por isso, o homem tem “plena consciência da dor que a infâmia produz numa pessoa honesta”. A distinta deputada “nada pediu ao parlamento” (donde se conclui que as viagens não são um pedido, mas uma exigência), “não solicitou tratamento especial” (se o tratamento que exigiu não fosse especial não havia polémica), “não procurou qualquer benefício indevido” (então, se a Lei não prevê as viagens, como é que se conclui que as viagens são “devidas”?).
O nosso homem perde-se, depois, em considerações “morais” sobre a gentalha que não achou graça à história, gente cheia de “pequenez”, “sordidez”, “cobardia”, “consciência medíocre”, “seres pequenos e vis”, etc. Tudo isto porque o homem é “um cidadão decente” que ambiciona “permanecer ao lado da decência”.
A propósito de “decência”:
O homem não entende que, mesmo que a incomparável senhora tenha todas as excelsas qualidades que refere, mesmo que tenha o brilhantíssimo currículo que, sem especificar, elogia, tal não altera o facto de não haver legislação que cubra despesas em viagens semanais de primeira classe, ou de segunda, ou de terceira a Paris, “devidas” a deputados por Lisboa, com casa em Lisboa, que, afinal, vivem em Paris, tal como, por hipótese, a deputados com vida feita na Patagónia ou noutro sítio qualquer.
O homem não entende que é uma vergonha “legislar” para ultrapassar a lei, excepcionando-a e tornando-a iníqua.
O homem não entende que o PS tinha a mais estrita obrigação de saber, quando convidou a camarada, que os fins-de-semana em Paris não estavam no cardápio das viagens parlamentares. E a não menos estrita obrigação de avisar a senhora do que se passava.
O homem não quer entender que, se o PS não sabia ou não quis avisar, deveria agora assumir os ónus que a sua atitude desonesta ou estúpida que criou.
Se não quer pagar é caloteiro.
A senhora, se é honesta, foi aldrabada pelo PS.
O IRRITADO sempre defendeu que o “crime” da senhora é a pesporrência e a desfaçatez com que publicamente tratou o assunto, bem como que jamais se tenha lembrado de sugerir que um bilhetinho barato tinha o mesmo efeito prático daqueles a que se acha com direito.
É isto o que se lhe não pode perdoar. Ainda menos que, em momento algum, tenha reconhecido que era ao PS, na ausência de cobertura orçamental, quem, se fosse sério, tinha acabado com a questão por 150 euros por semana.
Sério, o PS? Não brinquem connosco.
1.5.10
António Borges de Carvalho