REPÚBLICA E IGREJA
Tenho aqui um artigo, escrito pelo comunista Rui Tavares, deputado “independente” do Bloco de Esquerda na Europa (está farto de passear à conta e até já foi à América!, hi hi), revoltando-se contra uma referência elogiosa que o Papa terá feito ao Cardeal Cerejeira.
Estou de acordo que quem meteu tal coisa na boca do Papa cometeu uma gafe.
O Papa não precisava de fazer tal elogio.
Mas fê-lo. E, se o examinarmos com mais algum cuidado do que o faz a cabecita “engagée” do Tavares, somos capazes de chegar a conclusões um tanto diferentes.
Cerejeira foi “metido na ordem” por Salazar.
A Igreja, vítima das perseguições jacobinas da I República, poderia ter aproveitado a ditadura para exigir “poder”, numa espécie de revanche que a alteração das condições políticas “justificaria”.
Salazar, esperto, “Manholas”, negociou com a Igreja a chamada Concordata, documento que, se conferia à Igreja um estatuto jurídico que a punha a salvo de mais perseguições, não deixava de a meter em certas baias patrimoniais e de influência. Foi, como os historiadores sérios largamente têm documentado, uma negociação dura, cujos resultados ficaram longe do que a Igreja almejava.
No entanto, como saldo final, Cerejeira ficou, para a Igreja, na posição de ter sido quem normalizou as suas relações com o poder, clarificando-as e obtendo um estatuto que, ainda que longe do que queria, lhe conferia liberdade e autonomia, ao mesmo tempo que regulamentava as relações do Estado com o Vaticano.
É normal que Cerejeira deva merecer do Vaticano algum reconhecimento.
É verdade que, em troca, a Igreja de Cerejeira fechou os olhos a muita coisa e, nesse aspecto, fez mal. Mas, se considerarmos que os seus objectivos são os de conquistar as almas, não os cidadãos, havemos de convir que se justifica que algum benefício da dúvida lhe fosse dado.
Salazar precisava, para consolidar a República, de meter em baias os maiores inimigos do regime: a Igreja e os monárquicos.
Com a Concordata, conquistou os católicos.
Com o fim da lei do banimento e a chamada a Portugal do Herdeiro da Coroa, calou os monárquicos e, enganando-os, conquistou-os tanbém.
Metidos no “saco” os adversários do regime, consolidou a República de forma que os próceres da sua primeira versão jamais tinham conseguido.
Bem fariam os que hoje gastam fortunas a comemorar os desmandos da primeira República se agradecessem à segunda o que pela República fez.
A diferença entre eles e a Igreja é que esta vem dando provas de honestidade impossíveis de encontrar entre os admiradores da I República.
É por isso que o “historiador” Tavares diz as alarvidades que diz.
De historiadores destes está o inferno da cultura a abarrotar.
13.5.10
António Borges de Carvalho