ACTIVIDADES PSICO-CULTURAIS
Há dias, deixei o carro no parque do Chiado. Ao descer a escada, dei com uma parede “decorada” com uma enorme quantidade de pratos brancos pintados com palavras cujo sentido, se existente, escapava à minha limitada sagacidade.
Julguei tratar-se de uma “instalação”, coisa muito na moda e, de uma maneira geral, destinada a reabilitar a dignidade de sanitas, urinóis, tijolos e outros artefactos igualmente nobres. Passei adiante, não pensando mais no assunto.
Ontem, no DN, a explicação. Dois terços de uma página eram ocupados por uma notícia intitulada “Partir loiça no Chiado já esgotou um stock de cinco mil pratos”. Em subtítulo lia-se: “ Cem mil cacos de pratos ao fim de seis dias, amanhã haverá mais loiça para partir”.
A coisa era ilustrada com uma fotografia da cacaria, e rezava que esta acção “cultural” se destinava a exorcizar as frustrações do povo através da quebra dos pratos contra a parede. Uma espécie de violência doméstica fora de casa.
Nobre iniciativa! Um tipo, em vez de atirar a jarra das flores de plástico à cabeça da sogra, atira pratos à parede no Chiado, em vez de dar lambadas às criancinhas, alivia a cobardia de encontro a uma parede, em vez de se zangar com o porteiro do condomínio, esmaga a raiva contra um inocente muro, ainda por cima um muro eventualmente concebido por um génio tripeiro, Siza de seu nome.
Não, não se trata de um exagero de príncipes russos podres de bêbedos. É, uma “acção de rua” destinada a todos, democrática, terapêutica, eventualmente realizada com o agrément, talvez até o financiamento, da Câmara Municipal e do Ministério da pianista Cavilhas.
Uma forma simpática de demonstrar que vivemos no país rico do senhor Pinto de Sousa, não na miserável pátria dos restantes cidadãos. Cinco mil pratos é obra! Outros cinco mil virão, e outros e outros. Dinheiro para comprar pratos destinados ao sacrifício é coisa que não falta cá no sítio.
Exemplar!
14.5.10
António Borges de Carvalho