Assim se faz a História
Está na moda “comemorar” Chernobil. O desastre e as suas consequências fazem as delícias da chamada comunicação social. Jornalistas e comentadores desdobram-se em diligências, investigações e reportagens. Os antinuclearistas abanam as bandeiras da desgraça e do atrazo obrigatório da nação.
Seja-me permitido (está na moda dizer “se me permite”, coisa idiota e sem sentido) contar, ou relembrar, um episódio posto na arca dos intocáveis pelo politicamente correcto.
Quando se deu o desastre, o ilustre democrata e anti-fascista Álvaro Cunhal – que a tumba guarde bem guardado – estava em Kiev, ou por lá passava no regresso de veligiatura em casa do patrão. Chegou a Lisboa poucos dias após os acontecimentos. Entretanto, o cônsul de Portugal tinha feito um comunicado aos portugueses residentes na Ucrânia, aconselhando um prudente regresso a casa.
Ao desembarcar na Portela, Álvaro Cunhal é recebido pela habitual plêide de jornalistas. O assunto do dia, como é natural, era o acontecido em Chernobil.
- Senhor doutor, então o que é que Vossa Excelência acha do desastre?
- Desastre? Isso são manobras da reacção! Não houve desastre nenhum. O que se passa é que uma pequena fuga num reactor nuclear soviético está a ser aproveitada pelas centrais de desinformação do mundo capitalista para pôr em causa o Sol da Terra!
- Mas, senhor doutor, o próprio Cônsul de Portugal avisou…
- Alarmismo! O cônsul está a prestar serviços à reacção! Os estudantes e outros portugueses que lá estão, estão muito bem, podem ficar descansados que tudo se encontra devidamente controlado!
As sábias palavras do ilustre senhor não terão sido exactamente estas, mas lembrarei para todo o sempre o que os meus ouvidos ouviram e os meus olhos viram em mais um regresso glorioso de Cunhal a esta pátria, coitadinha, onde que o tenebroso polvo liberal-capitalista ensaiava a retoma das posições perdidas por acção das massas que, actuando sob a direcção das vanguardas do socialismo real, tinham levado por diante uma gloriosa caminhada para a sociedade sem classes.
Pena é que, hoje, no meio de tanta reportagem, tanto estudo, tanto comentário, ninguém se tenha lembrado desse episódio grotesco que foi o das declarações do homem à chegada a Lisboa.
Assim se faz a história.
António Borges de Carvalho