CIDADE SELVAGEM
Passei hoje por aqueles prédios da Av. Fontes que estão encravados nas teias camarárias vai para vinte anos (o quarteirão entre a PT e o palácio Sotto Mayor).
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(Há muitos anos, o arq. Taveira imaginou para ali uma das suas intervenções de fundo. Cheguei a ver um esquiço da coisa.
Estou convencido que, se o arq. fosse o camarada Siza Vieira, a estas horas já lá estava um prédio qualquer.
Admito estar a ser mauzinho. Facto é que passam as décadas e os prédios em causa estão cada vez na mesma. Na mesma? Não. Pior.
No tempo do Presidente Santana Lopes, a CML tapou a vergonhosa coisa com um painel que publicitava as obras de recuperação urbana já realizadas na cidade. Era uma forma legítima de a esconder.
Sucederam-se os Presidentes. O painel de Santana Lopes, obsolescente, velho, roto, negro de sujidade, já não fazia sentido. Presumo que, por não ter havido mais obras de reabilitação, não havia motivo para pôr lá painel semelhante.)
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Fiquei siderado. Andavam uns “artistas” a pintar os prédios com bonecadas mais ou menos idiotas. Não eram clandestinos, como por aí há tantos, a sujar a cidade. Eram tipos oficialmente apoiados, e pagos, pela CML/Costa/Roseta/Fernandes, via “investimento municipal” corporizado em gruas e maquinetas destinadas a proporcionar acesso fácil e seguro dos “pintores” às “telas”.
A “obra” tem o efeito de realçar o estado catastrófico dos imóveis, tornando impositiva a sua presença e chamando a atenção dos lisboetas para a selvajaria que a CML/Costa/Roseta/Fernandes apoia e subsidia, ou seja, para a selvajaria da CML/Roseta/Costa/Fernandes, legitimada pelo voto.
Se se tratar de turistas, a atenção virar-se-á para a selvajaria de todos nós, já que os turistas não sabem que a CML/aquela gente sequer existe. Concluirão que não existe câmara nenhuma, nem autoridade nenhuma, nem gosto, nem respeito por nada nem por ninguém.
Resta perguntar que autoridade tem, doravante, a polícia, ou seja quem for, para meter na ordem os selvagens que nos pintam a porta de casa com “obras de arte”, com obscenidades, ou com o que lhes vier à cabeça.
A resposta é fácil: nenhuma.
Há planos e planos, projectos e mais projectos, propostas e mais propostas para a reabilitação dos imóveis degradados. Curiosamente, não ouvi nenhuma das inteligências que dizem ocupar-se da matéria falar da abolição do NRAU, uma lei que nem o mais estúpido e atrasado dos povos produziria.
Pelos vistos, todas estas inteligências somadas - mais o camarada Louça que a elas há dias se juntou - ainda não recuperaram nada, nem criaram condições para que se recuperasse fosse o que fosse. Mas já foram capazes de mandar fazer, e pagar, selvajarias do calibre da que encontrei na Avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa, Portugal, hoje, 26 de Maio de 2010.
26.5.10
António Borges de Carvalho