ELITES DE XAXA
O deputado comunista ao parlamento europeu Sr. Tavares (“independente” do BE) vem hoje ao “Público” fazer o obrigatório elogio de Saramago, o prosador, o poeta, o homem, etc.
Só lhe fica bem. Se não houvesse cinquenta e dois mil fulanos a fazer exactamente a mesma coisa ao mesmo tempo, as loas do homem até podiam ser interessantes.
É politicamente correcto dizer maravilhas do escritor, não só enquanto tal como em trezentos e cinquenta e oito outros aspectos, qual deles mais rebuscado. Se um membro da esquerda que temos, neste momento de luto e comovida saudade, não se manifestasse em conformidade, poderia sujeitar-se aos maiores aborrecimentos. Não é?
Conta-nos o rapaz que estava de férias em Espanha, aos 15 anos, com uma irmã e uma sobrinha. Para marcar bem a diferença em relação às galinhas, o homem informa que foi a uma livraria enquanto elas andavam nas lojas. Postas assim as coisas no seu sítio, somos iluminados pelo fortuito encontro que teve com uma “mulher de cabelos negros” (como a dona Pilar antes de os pintar), que falava com um sotaque andaluz cerrado. Veja-se a cultura castelhana do nosso ilustre representante. Com 15 anos já conhecia tão bem a língua de Cervantes que bastava que alguém se lhe dirigisse para ele perceber de que região procedia! Formidável!
Vê-se bem que não é da escola de castelhaguês do senhor Pinto de Sousa.
O panegirista confessa que não percebeu patavina do que a mulher lhe disse mas que, admiravelmente, conversou com ela durante três minutos!
Sobre quê? Sobre Saramago, como é lógico.
Depois, lá vem o Saramago tradutor, escritor, copiador, revisor, apaixonado por “literatura menor, gazetas antigas, sermões de Vieira ou ficção científica”. Não, não estou a brincar, é mesmo assim que o homem classifica Viera. Um escritor menor!
Depois, sugere que Saramago terá ido buscar a ideia da cegueira a um escritor qualquer que construiu cenário semelhante muito antes dele. Mas, é claro, melhorou muito a ideia que terá copiado.
Lá vêm, então, as loas do costume, todas elas perdoáveis.
O verdadeiro clou do elogio é este: Saramago era sabedor porque “Um escritor aprende muito nascendo e vivendo num país onde as elites são medíocres e mesquinhas”.
Tem toda a razão. Parabéns. Se as elites - a que ele pertence - não fossem, para além de ridículas, medíocres e mesquinhas, não se teria assistido à monumental diarreia de loas, despesas, homenagens, lutos nacionais, guardas de honra, aviões, horas de televisão, horas de rádio, toneladas de papel de jornal, macacadas na net, “ameaças” de Panteão e outras parvoíces a que vimos assistindo sem parar desde sexta-feira passada.
Como modesta homenagam do IRRITADO ao extinto, diga-se que é de acreditar que o próprio Saramago, apesar de não poder ser mais pedante, se pudesse, se irritaria com tanta e tão funérea paspalhice.
Uf!
21.6.10
António Borges de Carvalho