GENTE FINA
Se bem me lembro, logo a seguir à tomada de posse do primeiro governo do senhor Pinto de Sousa, houve umas almas danadas que decidiram pôr nos jornais a história de uma casa clandestina que o tonitruante secretário de estado José Magalhães teria no Parque Natural da Arrábida.
Já não sei como, na altura, o assunto acabou por ser abandonado, concluindo o respeitável público que se tratava da costumeira maledicência das forças ocultas, forças que, mais tarde, tão bem caracterizadas foram pelo ilustre chefe do camarada Magalhães.
Agora, em parangonas nos jornais e nas televisões, aparece o poderoso camartelo municipal a demolir a tal casa que já se pensava inexistente. Por ordem judicial.
Esclareça-se que foi declarado pelas autoridades que a tal casa não era do camarada Magalhães, mas da ilustre cara-metade do dito.
Assim, conclui-se, com a merecida ingenuidade:
a) Que o camarada Magalhães, feroz zelador da legalidade através das polícias que é suposto controlar, está consorciado com uma senhora que faz casas clandestinas a fim de que o respectivo cônjuge possa passar nelas as suas merecidas férias e demais lazeres, tomando umas banhocas na piscina e bebendo uns copos;
b) Que o camarada Magalhães, coitado, nada tem a ver com as ilegalidades da esposa (se calhar, por causa das coisas, até é casado com separação de bens), utilizando-as em benefício próprio com toda a boa inocência possível, como é próprio de um bom socialista;
c) Que, caso se viesse a verificar que o camarada Magalhães sabia da história, já se teria demitido, como aliás costuma acontecer nos países civilizados como o nosso.
Como o camarada Magalhães não merece ingenuidade nenhuma, as conclusões são como segue:
d) O camarada Magalhães sabia e tornava a saber, desde a primeira hora, que a casinha não era legal;
e) O camarada Magalhães achava óptimo repoltrear-se na casinha, mau grado a sua clandestinidade;
f) O camarada Magalhães deve ter achado que, pertencendo a um governo, ainda por cima socialista, estava para além de qualquer suspeita e que autoridade alguma teria o desplante de não só condenar a esposa à demolição como, que ousadia!, executar a sentença;
g) O camarada Magalhães, seguindo o exemplo do chefe, jamais se demitirá, caia o Carmo e caia Trindade;
h) Um país governado por pintos de sousas e por magalhãeses, nem com a maior das boas vontades pode ser considerado civilizado.
10.7.10
António Borges de Carvalho