DA ESTUPIDEZ CIENTÍFICO-BUROCRÁTICA
Fui um frequentador assíduo do Portinho da Arrábida. Tive lá um barquinho, depois outro, e ainda um terceiro. Durante uns trinta anos. Tinha a minha poita, navegava por ali com a filharada e a mulher. A coisa era fiscalizada pela Polícia Marítima, que verificava as cartas, a fateixa, os coletes, o diabo a quatro.
O Portinho tinha muitos defeitos, o sistema era primitivo, o estacionamento caótico, etc. Mas, para quem gostava verdadeiramente do Portinho, tudo era, afinal, engraçado. E não fazia mal a ninguém, menos ainda ao mar ou à Serra.
As coisas melhoraram muito quando o senhor Mata Cáceres (não o senhor Pimenta) acabou com as barracas e as casotas. Depois...
Vieram uns sabichões dizer que andavam a proteger a natureza. Criou-se uma “entidade” gestora dos portos de Sesimbra e Setúbal. As poitas passaram a meia dúzia e tornaram-se caríssimas. A burocracia apoderou-se do sistema. Quem quisesse ter um barco tinha que ir para hediondas paragens, perto de Setúbal. Isto depois de um processo complicadíssimo, injusto e caro. Foram abolidas as zonas de abicagem. Passou a ser proibido fundear fosse onde fosse, para “proteger os ecossistemas”, como se alguém fundeasse em cima de algas ou de rochas. Pesca submarina nem sonhar. E, mesmo a pesca artesanal, só a 450 metros da costa (quem os mede?). Os predadores invadiram as águas “libertadas”. Acabaram os linguados, os chocos e as raias. As multas começaram a chover. Todas as embarcações, incluindo canoas e caiaques a remos, foram impedidas de navegar entre o Portinho e a Figueirinha. Etc.
Imperam os poderosíssimos sabichões. Aqui, como em Foz-Coa e um pouco por toda a parte. E são pagos para isso.
Há uns anos que não tenho barco. Tiraram-me o Portinho, tiraram-me o gozo da navegação, do Portinho à Figueirinha ou a Tróia, de Setúbal a Cascais. Vou lá, uma vez por outra, matar saudades e comer umas amêijoas, presumo que ilegais.
Faço mal. Não se deve voltar onde se foi feliz, não é?
24.8.10
António Borges de Carvalho