O MELHOR DOS MUNDOS
Com a pompa e o serviço público da cartilha, foi anunciado o simplex comercial, isto é, se você quiser abrir um estabelecimento, abre, e pronto.
É de louvar esta atitude das notáveis figuras governamentais. Até parece mentira!
Parece também exagero. Então agora abre-se uma lojeca qualquer, ou uma lojona, seja o que for, sem atender a qualquer regra? Não acham isto demais?
Parece mentira, e é mentira. Parece demais, mas não é.
O que se passa não é que tenha havido simplificação ou, no jargão governamental, simplex.
Nenhuma das três mil condições para abrir um estabelecimento foi abolida ou simplificada. Nenhuma das oitocentas e quarenta e nove entidades com jurisdição na matéria foi tirada do circuito. Nenhum dos elementos da montanha de papéis obrigatórios passou a desnecessário ou lhe foi reconhecida a obsolescência, a inutilidade, o carácter de burocracia abusiva e ditatorial. Nenhum dos inúmeros fiscais, funcionários, arquitectos, engenheiros, com competência para o efeito, foi considerado supérfluo ou excessivo. Continua a ser preciso vir os bombeiros, a Certiel, a EPAL, os tipos do gás, da ASAE, da eficiência energética, do diabo a quatro. As licenças, alvarás e concomitantes papeladas são as mesmas.
Tudo está como dantes. A diferença é que se, no sistema actual, pelo menos teoricamente, não se pode abrir um estabelecimento sem a respectiva licença, agora pode-se, tratando-se depois dos papéis. Haverá, porém, um elemento importante: o pretendente a lojista vai ter que assinar um termo de responsabilidade, em que se compromete a cumprir (todas) as regras.
As regras são as mesmas, só que, a partir de agora, vai ser muito mais fácil aplicar as multas, uma vez que há, previamente, um compromisso de honra assinado pelo interessado.
O previsível resultado é evidente. Muitos estabelecimentos vão abrir sem respeitar a miríade de condições a que estão sujeitos, nem as desnecessárias, que são muitas, nem as úteis, que são uma dúzia delas. A actividade fiscalizadora vai conhecer um incremento nunca visto. As companhias, as empresas, os burocratas, toda a malta que chateia vai chatear muito mais, vai aplicar a pastilha e dar cabo da vida a meio mundo como nunca visto.
As normas, essas, vão continuar em vigor, ou aumentar, que não só é uma chatice não ter normas para aplicar como o é não ir produzindo mais umas.
Entretanto, o ignaro povo rejubila com mais esta aldrabice do governo. E tudo fica no melhor dos mundos.
30.8.10
António Borges de Carvalho