VERBORREIAS
Há largos anos, era o doutor Jorge Miranda assistente na FDL, sendo professor da cadeira André Gonçalves Pereira.
À altura, as provas orais eram presididas por um juiz conselheiro que, a maior parte das vezes, tinha que fazer hercúleos esforços para se manter acordado.
Miranda interrogava um aluno. A certa altura, apercebeu-se que o examinando não sabia a data da revolução francesa, ou a data em qua é comemorada. Deu uma descasca de morte ao rapaz. Que parecia impossível não saber tal coisa, que uma ignorância de tal ordem não era própria de um estudante de direito, que isto e que aquilo, e aí vai uma interminável lição de história, com o conselheiro a dormitar e Gonçalves Pereira quase na mesma.
A finalizar a descompostura, Miranda declarou solenemente:
- Pois fique sabendo que a data do início da revolução francesa é 14 de Julho de 1789!
Gonçalves Pereira descerrou uma pálpebra e acrescentou:
- À tarde!
Vem esta história a propósito do prolixo e repetitivo raspanete que o Professor Miranda deu ao PSD por causa da proposta de revisão constitucional. Que não se faz, em vésperas de eçleições presidenciais, que não está certo vir do partido em vez de vir dos deputados, que não há direito que se altere a "razão atendível" para "razão legalmente atendível", e patati e patata, etc. e tal.
Como se alguém quisesse, ou pudesse, impor que a revisão se faça antes das presidenciais. Como se o Presidente a eleger, ao jurar a Constituição, não estivesse a jurar que aceitava as suas alterações, desde que feitas nos seus termos. Como se o Professor Miranda não tivesse congeminado as alterações que propôs em 1982 e que veio a defender em nome da defunta ASDI, comandando os três ou quatro deputados que a organização tinha. Como se, ao fim de cinquenta anos de vida académica, ainda não tivesse percebido que o imobilismo laboral é fonte das maiores injustiças e motivo de desemprego e de desgraça.
O IRRITADO não foi dotado pela natureza com a superior inteligência de André Gonçalves Pereira, ainda menos com o seu requintado quão brutal sentido de humor.
Mas apetecia-lhe imaginar qualquer coisa como o "à tarde" do ilustre professor, a fim de calar a prosápia catequista do doutor Miranda.
14.9.10
António Borges de Carvalho